quinta-feira, 27 de outubro de 2016

A Tumba de Sargeras Parte dois: Velhos amigos



A Tumba de Sargeras

Robert Brooks

Parte dois: Velhos amigos




A voz de Maiev Cantonegro era fria. — Já acabou, Arquimago? — perguntou ela.

— Quase. — O tempo era curto. Hadggar enviou o último elemental com instruções simples. — Encontre Gul'dan. — A criatura, com a forma de uma lágrima e feita toda de energia arcana, flutuou para longe. Outros constructos idênticos já cruzavam a ilha de uma ponta a outra, vasculhando as sombras. Era uma pena não serem fortes o bastante para lutar, mas Hadggar saberia no mesmo instante quando um deles fosse destruído.

Havia alguns minutos, Hadggar sentira um traço de corrupção, que evanescera em seguida. Se Gul'dan estava por perto, já devia ter se retirado. Pena. — Pronto. Desculpe, Guardiã. Agora vamos falar sobre nossa busca.

— Sua busca, não a nossa — respondeu ela.

— Ah, então os Vigilantes não se preocupam mais com invasores? Bom saber. — Hadggar manteve o tom neutro. — Se Gul'dan é bem-vindo aqui, então eu não tenho com o que me preocupar.

Maiev não gostou de ouvir isso. — Se Gul'dan estiver mesmo aqui...

— Ele está — disse Hadggar.

— Se ele estiver — repetiu Maiev —, nós cuidaremos dele. Depois que discutirmos os seus fracassos em Draenor.

— Perdão?

— Nós confiamos uma Vigilante a você. Uma irmã corajosa e leal que se destacou inúmeras vezes — começou ela.

— Maiev...

— E no entanto bastaram alguns meses ao seu lado para que ela se tornasse uma traidora. Por que, Hadggar? O que você fez que a levou para o lado da Legião Ardente?

— Pergunte a Cordana da próxima vez que a vir — disse Hadggar, tão calmamente quanto pôde. Era como se Maiev tivesse enfiado uma faca em seu peito. — Tenho certeza de que você conseguirá extrair uma resposta dela. Não foi para isso que eu vim aqui.



— Ela nos enviou relatórios, Hadggar — disse Maiev. — Cordana tinha dúvidas quanto ao seu

julgamento. Dúvidas sérias.

— Não temos tempo...

— "Irresponsável. Arrogante. Impreciso. Turrão. Não aceita conselhos." E essas foram só as

primeiras impressões dela. — Maiev e seus Vigilantes permaneceram parados, severos, uma

muralha de censura em que nenhuma outra emoção era visível. — Você pode ter mudado ao

longo dos anos, Hadggar, mas tudo isso me pareceu bem familiar.

— Se você quiser falar sobre erros do passado, tudo bem — disse Hadggar. — Vai demorar

alguns meses para contabilizar os meus. E mais alguns para incluir os seus também. — Os olhos

de Maiev se estreitaram, mas Hadggar insistiu. — Nós podemos fazer isso mais tarde. Agora,

olhe para o sul. — Ele apontou para o mar. — Sei que seus Vigilantes viram fumaça acima da

água. Foi o que sobrou do navio que Gul'dan roubou. Ele o incendiou, junto com todos dentro.

— Os últimos resquícios de humor desapareceram de sua voz. — Gul'dan está aqui. Logo você

vai começar a encontrar cadáveres. — Hadggar viu a maneira como os Vigilantes se encaravam.

— Ah. Vocês já encontraram. Alguém importante?

Os olhos da guardiã o encararam, penetrantes. — Alguns Noctívoros. Nós enviamos Cordana

com você para impedir esse tipo de desastre.

— O desastre verdadeiro ainda pode ser impedido. A história não está se repetindo — disse

Hadggar. — Este Gul'dan não sabia como chegar aqui. Não foi nem escolha dele vir pelo Portal

Negro. Alguém está conduzindo todos os seus passos.

— Por quê? Para onde? A Tumba de Sargeras? Ela está vazia — disse Maiev. — Ner'zhul roubou

um pouco do seu poder. Illidan levou o resto.

Hadggar sacudiu a cabeça. — Maiev. Você sabe o que os mestres dele querem: uma porta

aberta para Azeroth. Eles já tentaram criar uma lá antes. Talvez eles queiram tentar novamente

— Isso não é possível.

— Não para nós dois. A Legião não dispenderia tanto esforço em uma tarefa inútil. Gul'dan está

aqui para reivindicar a tumba em nome deles. Ajude-me, Maiev. Você e seus Vigilantes. Juntos,

nós podemos detê-lo. Não é isso que o seu dever exige?"

Maiev encarou Hadggar sem piscar. Alguns instantes se passaram.

Então ela tomou sua decisão.



— A mim! — ordenou ela. Os Vigilantes se reuniram à sua volta em um instante. As ordens

vieram rapidamente. — Reúnam todos na Câmara do Traidor. Talvez precisemos mudar tudo o

que está lá dentro de lugar.

Hadggar ficou sem saber o que dizer.

As tropas de Maiev a saudaram e responderam em uníssono. — Sim, guardiã Cantonegro! —

Sem hesitar, partiram velozes na direção sul. Na direção oposta à da tumba.

Hadggar não disse nada. Não podia. Maiev tinha instruído os Vigilantes a partir. Eles não

ajudariam. — Maiev, o que você está fazendo? — finalmente perguntou.

Maiev o encarou. Com seus subordinados longe, suas palavras eram como um martelo na

bigorna. — Você não conseguiu deter Gul'dan em Draenor. Você não conseguiu detê-lo aqui.

Ele roubou um navio, não foi? É tão difícil assim para um corvo rastrear um navio, um veículo

lento, movido pelo vento? Fracassos, um oceano de fracassos.

Hadggar não podia acreditar no que estava ouvindo. — É a Legião Ardente que estamos

enfrentando. Você não sabe nada do que nós enfrentamos em Draenor.

Mas Maiev não tinha terminado. — Gul'dan navegou para as Ilhas Partidas antes de você

conseguir alcançá-lo. E aí, o que aconteceu? Um incendiozinho permitiu que ele escapasse e

nadasse o resto do caminho?

Um incendiozinho.

Era um navio mercante. Muito passageiro a bordo. Quando Hadggar avistou a embarcação,

Gul'dan já havia empilhado os cadáveres ressequidos dos adultos no convés e alinhara todas as

crianças à sua frente como escudos vivos.

E então, com uma única centelha de fogo vil…

A lembrança enfureceu Hadggar e ele falou sem pensar. — Eu esqueci. Você nunca sofre

reveses assim. Me diga uma coisa, quantas das suas irmãs você deixou para morrer durante sua

caçada a Illidan?

Houve um silêncio absoluto na clareira. Cada segundo que passava ampliava mais o abismo

entre eles.

Quando Maiev falou, foi peremptória.

— Qualquer ajuda que eu lhe prestasse seria desperdiçada. Além disso, você está errado. Não

resta mais nada na tumba. Qualquer resquício de poder que havia lá agora está contido nos



restos de Illidan. Que estão na Câmara. É isso que a Legião quer. É para lá que Gul'dan iria. O

meu dever exige que eu vá até lá para detê-lo.

Hadggar se conteve antes de responder rispidamente. Ele precisava realmente da ajuda dela: —

Guardiã Cantonegro — disse ele, quase implorando. — Você conhece a tumba. Eu não. Isso

pode ser uma vantagem crucial.

Maiev virou as costas. — Boa sorte, Arquimago. Quando você compreender seu erro, pode ir

me encontrar na Câmara. Temos muito mais a discutir. — E Maiev partiu veloz atrás dos

Vigilantes.

Hadggar não a chamou. — Que seja — disse ele, suavemente. Em instantes, Maiev tinha

sumido e Hadggar voava alto no céu em forma de corvo. Ele rodeou os destroços, tentando

detectar Gul'dan. Nada. Não havia nenhuma presença além dos Noctívoros escondidos. Ou

Gul'dan encontrara um caminho pela enseada até Thal'dranath, ou fugira para o norte, na

direção de Suramar e Alta Montanha. Uma dessas possibilidades era bem mais perigosa.

Hadggar avançou na direção do mar aberto, aproximando-se da ilha sombria com a antiga

estrutura abandonada apontando para o céu.

Pela primeira vez em anos, talvez décadas, Hadggar sentiu-se desesperado. Nem avançar pelo

Portal Negro em uma missão suicida lhe incutira tanto medo. Na época, o objetivo da Horda de

Ferro era claro: conquista. O fracasso de Hadggar significaria sua morte. Mesmo o sucesso

talvez exigisse o sacrifício final. Havia certa paz naquele pensamento. Mas a Legião Ardente...

Hadggar a estudara por tanto tempo e ainda não descobrira seus verdadeiros objetivos. O que

aconteceria depois que escravizassem ou incinerassem todas as criaturas? Ele não sabia. E

temia a resposta.

Esse era um dos motivos pelos quais ele se concentrara em Gul'dan quando estava em Draenor.

Dava para aprender muito vendo como seus oponentes movimentavam os peões.

E a Legião tinha enviado seu peão direto para a Tumba de Sargeras, pensou Hadggar. Maiev

estava certa, em parte: o lugar já não tinha nada de útil há muito tempo. As últimas nagas

tinham sido exterminadas pelo Kirin Tor, e os poucos artefatos de poder restantes foram

entregues à custódia das Guardiãs. Travas e proteções arcanas complexas estavam dispostas

por toda a estrutura, fortes o suficiente para manter ladrões, aventureiros e outros agentes

sinistros do lado de fora.

Seria necessário um indivíduo bastante motivado e poderoso para entrar. Ou seja, Gul'dan não

teria problemas. Bastava descobrir como ele planejava entrar...

CABUM.



Bom. Um mistério resolvido, pensou Hadggar. O som abafado e distante chegou aos seus

ouvidos e então uma poderosa onda de choque sacudiu o ar. Seus olhos de corvo voltaram-se

para baixo, na direção da ilha de Thal'dranath, enquanto o vento tremulava ao roçar em suas

asas. Uma nuvem de poeira se erguia da Tumba de Sargeras. Ele mergulhou em direção a ela.

A entrada jazia em ruínas, completamente destruída. Hadggar desceu traçando espirais, suas

penas mudando para pele e cabelo grisalho, gadanhos tornando-se pés metidos em botas de

solado macio. Aconteceu num átimo, como sempre. De todos os truques que aprendera com

seu mentor, aquele ainda era o seu favorito. Quando seus pés tocaram o chão, ele abriu os

braços, afastando a névoa de poeira e pedra pulverizada que pairava no local. Todas as

barreiras — mágicas e físicas — que protegiam a tumba tinham sido removidas. Só restavam

resíduos de magia vil. Aquilo era coisa de Gul'dan.

Hadggar ficou parado. Ouvindo. Sentindo. Ele podia sentir o formigar distante da magia vil.

Gul'dan estava lá dentro. Já trabalhando.

Seria extremamente arriscado entrar sozinho, e demoraria muito para percorrer a tumba um

corredor de cada vez. O interior era como um labirinto. Não haveria maneira fácil de seguir os

passos de Gul'dan.

A não ser que...

Não. Era uma ideia idiota.

Hadggar respirou fundo. Expirou. Ainda era uma ideia idiota. Mas nada melhor lhe ocorreu.

— Muito bem — disse ele, com resignação sombria. Se é pra ser, melhor me apressar.

Hadggar correu para dentro e sentiu dor imediatamente. Uma poça negra se abriu sob seus

pés. Emissários do caos, vindos de outro plano de existência, agarraram suas pernas. O toque

deles queimava, embora fosse gélido, e sua força era suficiente para reduzir ossos a pó.

Hadggar disparou uma rajada arcana em seus rostos sem forma e se libertou.

A armadilha de Gul'dan tinha falhado. A primeira armadilha. Haveria muitas outras, claro. — E

isso é bom — murmurou Hadggar. Quando chegou a um aposento que se bifurcava em dois

corredores, ele disparou jatos de energia nos dois.

Fogo explodiu no túnel à esquerda. Perfeito.

Hadggar dobrou à esquerda e atravessou as chamas. Uns cem metros adiante havia outra

bifurcação. O túnel ao norte rebrilhava de energia. Hadggar nem precisou parar para ativar a

armadilha.



Gul'dan estava sendo conduzido em rédea curta. Isso era claro. Não teria tempo de deixar

rastros falsos. Hadggar continuou correndo. Ele podia se guiar pelas armadilhas deixadas por

Gul'dan. Não era um plano tão ruim, no final.

Corredor após corredor, passagem após passagem, Hadggar continuou a correr. As armadilhas

de Gul'dan eram fracas, pois tinham sido criadas às pressas. Hadggar se recusou a ir mais

devagar. Isso salvou sua vida quando um raio gigante veio de uma direção inesperada. Se

Hadggar estivesse um passo atrás, a lança de fogo verde teria perfurado o coração em vez da

capa.

À medida que penetrava mais na tumba, Hadggar notou as linhas elegantes insculpidas nas

paredes. Runas arcanas? Aquele era um lugar inusitado para elas. Eram estranhas, mais

avançadas do que qualquer coisa que Hadggar já tivesse visto. Aquilo era perturbador. Algumas

estavam brilhando. Gul'dan não tinha experiência com magia arcana.

Ou tinha? Os pensamentos de Hadggar se sucediam, frenéticos. O que está acontecendo?

Aquele lugar tinha sido fortificado há muitas eras por Aegwynn, a mais poderosa Guardiã a

pisar naquele mundo. O que ela tivesse feito ali era bem mais avançado que as habilidades de

Hadggar.

E ela estava sob influência de Sargeras ao fortificar o lugar.

Aquele pensamento fez Hadggar parar. Outra armadilha, a centímetros de distância, tremeu e

explodiu. Ele se protegeu, grunhindo contrafeito, e não sentiu nada. Uma das runas estava

gravada no teto do corredor. Ele a estudou cuidadosamente. Sim, jamais vira uma runa

parecida, mas o modo como os ângulos se curvavam, como a energia era canalizada... parecia

ter um propósito familiar.

Uma runa assim podia ser usada como parte de uma "fechadura".

E então Hadggar percebeu, horrorizado, que não era uma fechadura. Aquela runa era um

pequeno pedaço de uma chave. Uma chave enorme, escondida na própria estrutura da tumba.

A complexidade daquilo era... cósmica. Hadggar não conseguiu pensar em nenhuma outra

palavra. Tentar compreender o mecanismo final a partir de uma única runa era como tentar

estudar o oceano a partir de uma única gota.

— Que a Luz nos ajude — sussurrou Hadggar. Não havia mistério quanto ao que seria aberto

pela chave. A Legião Ardente tinha tentado criar um portal ali há muito, muito tempo. E não

havia conseguido. O poder da Legião ficou inerte. Todos os estudiosos do Kirin Tor

concordavam nisso.



A Legião Ardente sabe de algo que você não sabe, senão o títere deles não estaria aqui,

Hadggar recordou.

Aegwynn tinha construído aquela chave de propósito? Ou fora influenciada por Sargeras, que

perverteu suas ações de modo tão sutil que ela nem sequer percebeu? Hadggar não sabia. Tudo

o que ele podia discernir era que aquela runa tinha um propósito deliberado. Se tentasse

manipulá-la, ela provavelmente bloquearia o seu poder. Ou o refletiria nele, o que costumava

ser fatal.

Ele começou a correr novamente. Gul'dan estava perto. Se Hadggar eliminasse o único servo da

Legião na ilha, os planos dos demônios seriam reduzidos a pó.

Os corredores logo embicaram na mesma direção. Hadggar deixou que o conduzissem mais

para dentro, na direção dos pulsos latejantes de magia vil. Não havia mais armadilhas.

Uma passagem estreita e ornada com entalhes levou Hadggar até uma câmara altíssima, cujo

teto se perdia nas sombras no alto. E, no centro do aposento, estava sua presa.

Gul'dan estava agachado, fazendo pequenos gestos diante de um ladrilho brilhante no chão. Ele

virou a cabeça e Hadggar viu seus olhos vermelhos se arregalarem de surpresa.

Hadggar avançou sem hesitar. — Quanto tempo, velho amigo. — Energia letal irrompeu das

mãos do arquimago. — Eu estava esperando por isso.

Gul'dan rosnou. — Estava, é?

Fogo verde explodiu contra poder violeta.

A Tumba de Sargeras tremeu. A luta tinha começado.

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