segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Genn Greymane: O Senhor da Matilha



Genn Greymane:
O Senhor da Matilha

James Waugh



 – Nunca aceite a ajuda de um homem, filho... – disse o rei Archibald Greymane. Sua compleição forte era agora uma silhueta enlameada contra o brilho pálido do crepúsculo. – É sempre melhor se erguer sozinho. É o que separa os grandes dos submissos.


O filho, Genn, que não tinha mais do que sete anos, recolheu a mão que havia estendido. Estava sentado de pernas cruzadas nas pedras frias das fortificações construídas recentemente. As muralhas eram uma prova impressionante do poder da nação, mas, para Genn, nem chegavam aos pés do homem à sua frente.

– Você acha que tudo isso foi construído pedindo ajuda aos outros reinos?

As torres industriais de Guilnéas assomavam abaixo. Era uma visão magnífica, com certeza: grandes telhados aprumados sobre ruas pavimentadas, lojas, fábricas e colunas de fumaça. era realmente uma cidade voltada para o futuro, para o potencial de seu povo.

– Quando eu era um jovem príncipe, assim como você é hoje, meu pai não teria sonhado com isso! Mas eu sonhei e tomei meu próprio rumo, e olhe para nós agora... Tudo isso realizado sem aceitar ajuda de Ventobravo, nem implorar assistência de Lordaeron. E nós certamente não nos rebaixamos à arrogância daqueles semi-humanos orelhudos de Quel’thalas.

Genn já havia ouvido as histórias sobre como era Guilnéas antes de Archibald subir ao trono.

Por certo tratava-se de uma nação que nem chegava perto do poder que conquistaria.

– Agora, levante-se, garoto. Levante-se e não me peça ajuda de novo. Porque tudo isso será seu, e quando for, você precisará estar pronto.

– Ela é sua, pai. Guilnéas sempre será sua.

Archibald sorriu, e seu tom ficou mais suave:

– Não, filho. Príncipes se tornam reis, e o tempo passa. A vida é assim. Venha, estou sentindo que está esfriando. Vamos ceiar. Creio que hoje tem javali assado.

Genn levantou-se rapidamente. Javali cardo-veloz suculento, preparado pelo melhor cozinheiro de Azeroth na opinião de Genn, era a coisa que ele mais gostava no mundo.

– Acha que vai ter maçã em calda no jantar, pai?

– Se você quiser maçã em calda, garoto, você as terá. Os reis e seus descendentes também têm esse direito.

E assim, pai e filho desceram até as muralhas. Os últimos tons da luz do dia ardiam no céu.

* * * * *

O barco de transporte noctiélfico sacudia no mar cada vez mais encrespado. Com cada balanço nauseante, as tábuas antigas de madeira, que deram forma ao casco imponente do navio há milênios, rangiam.
Numa cabine, o rei Genn Greymane abriu os olhos. A lembrança da juventude ainda supurava, ainda o assombrava por razões que ele não entendia bem. Não era a única: nesses dias, rios de lembranças irrompiam na sua mente, afogando seus pensamentos como se tentassem lhe transmitir uma mensagem que ele não conseguia captar. A memória era algo realmente misterioso, era um tipo próprio de magia, talvez mais estranha e poderosa do que os poderes arcanos aos quais os magos encapuzados de Dalaran eram tão apegados.

Genn começou a se levantar, mas a dor o forçou a se deitar de novo. Seu corpo doía por causa dos últimos combates. A batalha pelo seu reino, a batalha que ele perdera.

O Rei engoliu o desconforto e fechou os olhos, sendo inundado por imagens. Um cálice retinindo pelo chão de pedra; estandartes de Guilnéas pendurados orgulhosamente numa parede; seu falecido filho, Liam, sangrando pela boca, aninhado nos braços de Genn.

– Deixe-me ajudá-lo, lorde Greymane.

O senhor passou por um bocado nesses dias conturbados.

Os olhos de Genn abriram de repente. Diante dele estendia-se a mão roxa de um elfo noturno.

As palavras de Talar Garralho foram ditas com suavidade, mas Genn sabia que não deveria confundir a gentileza delas com fraqueza.

O elfo noturno era alto e estava adornado com uma armadura de couro enfeitada e vestes de um tecido sedoso cuja cor Genn jamais havia visto: azul, talvez verde, não sabia ao certo. Um linda plumagem caía em franjas do grande cajado do elfo.

Genn olhou por um breve instante para a mão que lhe era estendida.

– Este velho Rei não precisa da sua ajuda nem da ajuda de ninguém para se levantar da cama, Talar Garralho. Disso, eu ainda sou capaz. – Genn se ergueu, esforçando-se para suportar a onda de dor que chicoteou-lhe as costas.

Talar reparou na contração no rosto de Genn e tentou não demonstrar a frustração antes de tornar a falar:

– Eu trago mais notícias ruins, honrado Rei. Sua presença se faz necessária no convés... O perigo persiste!

* * * * *











A luz da tocha tremeluziu, fazendo ondular as sombras desenhadas nas paredes de granito da ala de hóspedes de Lordaeron. Genn e vários dos nobres mais influentes de Guilnéas haviam viajado para atender a convocação emergencial que o rei Terenas fizera aos lordes de Azeroth.

Fazia poucas horas que eles souberam da conquista de Ventobravo pelos orcs da Horda, dos tempos difíceis que talvez os aguardassem. Após um jantar cortês com os vários reis, Genn havia se recolhido aos aposentos reais para se reunir com seus compatriotas. Não demorou para as discussões começarem.

– Esses animais verdes poderão nos atacar se não agirmos antes, lorde Greymane. Devemos nos juntar a essa Aliança. Precisamos fazer o possível antes que esses monstros se alastrem pelas terras dos outros reinos e do nosso. – Lorde Crowley fez o apelo aos lordes sentados à mesa com um fervor que raramente se via, à exceção em Greymane. Crowley era um homem inteligente, mais novo do que Genn, e um pouco menos refinado nos pormenores da política, mas muitos achavam que seu futuro seria brilhante.

– De fato, Crowley. Eu compreendo seu receio quanto a isso. Compreendo plenamente. Mas esses... orcs... como são chamados, não chegaram nem perto de nossas terras. Nem uma gota de sangue guilneano foi derramada. Meu coração sangra por Ventobravo, pelo jovem príncipe Varian e por esse herói, Lothar. Sangra verdadeiramente. Mas devo entregar meu povo a um destino semelhante? Será que vale a pena sacrificar uma vida guilneana que seja por uma causa que não a afeta? – Genn respondeu com veemência. A ameaça órquica era algo novo e estranho, mas ele não sabia ao certo se seu povo trabalhador teria dificuldade para contê-la sozinho. Afinal, os orcs eram apenas uns brutos. Seres pela metade. Monstros.

– Lorde, como o senhor mesmo disse, as outras nações estão ávidas por ajudar. Se Matatroll, Perenolde e o resto participarem, eu não sei como poderemos continuar a nos considerar vizinhos ou amigos se não nos juntarmos a eles – Crowley continuou. Genn entendia por que ele era tão querido. Suas palavras eram ditas com um vigor intenso. Não havia interesses políticos em jogo, apenas um homem preocupado com seus companheiros. Genn o respeitava, independentemente do quanto ele estivesse equivocado. Crowley não conseguia entender a insensatez dessa solidariedade, ao que ela realmente poderia levar. Ele não enxergava que seu próprio povo precisava ser levado em consideração, acima de todo o resto. Ele era jovem e o mais novo entre a nobreza.





– Meu pai nunca imaginou que o futuro do nosso povo estaria ligado à direção para qual Lordaeron, Stromgarde e Alterac se inclinam. Alguns são fortes, lorde Crowley, e alguns são fracos. A vida é assim. Nós guilneanos somos fortes, e os guilneanos precisam, antes de tudo, cuidar do próprio bando. – Com tal resposta, Genn os conquistou. Ele podia ver as cabeças acenando em aprovação. Podia ver os nobres imaginando os primeiros relatos da frente de batalha, os prantos das mães que haviam perdido os filhos. Podia vê-los calculando quantas vidas o pedido de Terenas e Lothar custaria.

No entanto, uma voz moderada se elevou de trás:

– Por outro lado, meu senhor, talvez para continuar nas boas graças de nossos reinos irmãos, assegurando a estabilidade das tarifas e do comércio futuro, nós devêssemos enviar uma pequena tropa. Uma que mostrasse a eles do que é capaz até mesmo o menor contingente do exército guilneano. A nossa milícia está a postos e preparada para atacar inimigos externos.

Vamos usá-la.

O nome do contestador era Godfrey. Genn confiava nos conselhos dele, mas suspeitava sempre de suas ambições. A proposta dele não era motivada por empatia como a de Crowley. Era uma jogada política inteligente que garantia notoriedade ao comandante daquela milícia preparada: o próprio Godfrey. Mas ele tinha certa razão. O comércio e os impostos proporcionavam uma grande receita ao reino, e arriscar esses benefícios não seria prudente.

– É um caminho que, de fato, tem mérito, Majestade – acrescentou o barão Ashbury. Ashbury era um dos amigos em que Genn mais confiava. Genn havia crescido com ele. O pai dele, lorde Ashbury I, tinha ajudado Archibald a construir a nação e Archibald sempre dissera a Genn para confiar na lealdade dos Ashbury à coroa.

– Levarei essa proposta em consideração, Godfrey.

* * * * *

Genn e Talar subiram correndo a escada em caracol até o convés. Havia uma sensação de urgência no ar. Mesmo assim, Genn ficou surpreso de como eram adornadas as embarcações élficas. Muitos entalhes em cada detalhe. O próprio tamanho do navio e seus vários níveis estavam além da engenhosidade do povo de Genn.
– Parece que os guilneanos são bastante teimosos, lorde Greymane. – As frustrações de Talar haviam aumentado nos últimos dias.

– É uma qualidade que sempre admiramos em nós mesmos, bom druida.

– Sim. Eu sei.

– Você foi, de fato, amável, Talar, mas prefiro que fale o que pensa. Desde que nos conhecemos, percebo uma grande suspeita da sua parte. Por favor, me conceda a honra de partilhá-la com você.

– Eu peço desculpa se deixei transparecer isso. Eu... Azeroth corre grande perigo, Majestade.

É uma época a qual receio que talvez não consigamos sobreviver, a não ser que nos unamos realmente... O senhor é um governante que preferiu segregar seu reino do resto do continente.

O senhor é um rei que recusou pedidos de ajuda ao longo dos anos. Eu sou um druida. Eu acredito na interconexão de todas as coisas. É a forma como a natureza é feita. Um ecossistema.

Essas escolhas me são... naturais.

– Eu devo muito a você e ao seu povo, Talar. Talvez nossas diferenças sejam grandes, mas não permita que elas nos separem.

– Elas certamente não o farão – respondeu Talar, pendendo suavemente a cabeça. – O arquidruida Tempesfúria crê que o senhor e o seu povo serão um trunfo importante para a Aliança. Eu confio na sabedoria dele.

– Um trunfo para a Aliança? – Genn foi pego de surpresa. – Nós temos uma grande dívida para com seu povo, é verdade... Mas não posso oferecer a você nem a seu líder garantias de que poderemos ou não participar legitimamente nos negócios da sua nobre Aliança como um trunfo de qualquer importância.

– É uma pena ouvir isso. Mas essas são questões políticas. O nosso interesse é sobreviver no dia de hoje.

A luz do dia rareava lá fora. Laivos de claridade espiavam pelas nuvens, mas eram prontamente devorados pelo horizonte escuro. O maresia fresca encheu o nariz de Genn, e gaivotas ruidosas grasnavam, insistentes, ao longe.

Dezenas de humanoides violeta se ocupavam pelo convés, fazendo todo o possível para preparar o navio para o que parecia ser uma forte tempestade. Mas, entre os roxos, estava a raça de Genn, os de peles rosa, e também, é claro, os worgens: homens e mulheres metade lobo, relutantes em aderir aos pedidos de seus salvadores.

– Como pode ver, Majestade, eles pretendem tomar parte nos preparativos, mas ignoram as ordens dadas. Refutaram meu aviso para que apenas os grumetes permanecessem no convés.

Perto da proa, Genn via duas sentinelas, lindas guerreiras, tentando impedir um worgen de manipular as cordas da vela. Aquilo não estava transcorrendo muito bem. O homem-lobo estava empurrando um terceiro elfo noturno, enfurecido por ser arrancado de lá.

– O senhor precisa entender que a missão à qual fomos enviados não era originalmente levar restante de uma nação de volta a Darnassus. Era para ajudar com os worgens. Nós já estamos no limite. Olhe só. Isso não é uma simples tempestade. Pode ser que estejamos enfrentando o nosso maior desafio – Talar continuou.

– Tem razão, Talar – concordou Genn.

Havia muitos outros navios dos elfos noturnos no mar em volta da embarcação. Genn sabia que em um deles, no Resplendor de Eluna, estavam sua esposa, Mia, e sua filha, Tess: a família dele. Era estranho para ele, agora, pensar na família e não incluir o filho. Doía mais do que qualquer dor física que ele havia suportado a vida toda. Doía mais do que perder um reino.

– Os batedores estão voltando! – gritou um vigia do alto da gávea, apontando em direção ao céu sombrio.

Três manchas negras se desviaram da escuridão que acompanhava a tempestade adiante. Elas entraram em foco lentamente, e logo não eram mais manchas, e sim corvos da tempestade gigantescos voando à toda velocidade em direção a Talar, os grasnidos altos numa cacofonia de urgência e, conforme Genn teve a impressão, de medo.

Os corvos imensos se metamorfosearam. Genn ainda não se acostumara totalmente a ver essa transformação. Ele tinha ouvido falar que o druidismo era praticado entre os camponeses de Guilnéas, mas fazia pouco tempo que ele havia sido exposto a isso. As formas das aves se retorceram e estremeceram, forçando suas anatomias a aparências mais naturais, as de druidas kaldorei, dois elfos e uma elfa.

O pânico estava estampado no rosto de cada um.

– Precisamos ordenar que os navios protejam-se imediatamente! – a druidesa disse.

– A tempestade... Eu... Eu nunca vi nada igual. Ela vem acompanhada de ondas três vezes maiores que gigantes... O mar fervilha com os esqueletos de navios partidos – disse um dos elfos. Ele tentava com todas as forças manter a compostura, mas o terror era aparente.

– É o que eu temia – disse Talar. – Vão, depressa, avisem os capitães. Isolados, os navios não vão resistir. Diga a eles que precisamos formar uma flotilha imediatamente!

Sem hesitarem os druidas se contorceram, retomando a forma de corvos de tempestade antes de se dispersarem em direção às outras embarcações. Genn viu o mar se agitando e nuvens negras carregadas de chuva sufocando o céu não muito longe dali. O Rei não era um homem do mar, mas a situação, mesmo para seu limitado conhecimento náutico, parecia grave.

– Esse dragão negro amaldiçoado ainda nos persegue – disse Talar. Era a primeira vez que Genn o via tão abalado desde a difícil fuga de Guilnéas. – Esse cataclismo... O mundo ainda treme, as tempestades ainda dilaceram os mares...

– Asa da Morte, o Destruidor, é um monstro, sem dúvida... mas só de imaginar que essa fera causou esse grande cataclismo... que as consequências ainda se prolongam por causa dele...

Eu...

– Pode acreditar, Genn Greymane. Como eu já disse, nós nos encontramos na mais sombria das épocas. Se sobrevivermos a ela, as aflições de Guilnéas serão apenas o começo. Agora, leve sua gente para abaixo do convés. Minha tripulação precisa trabalhar com precisão, sem distrações. Envie ordens para que sua gente obedeça em todas as embarcações – Talar falava enquanto acenava para os marinheiros empoleirados na ponte.

– Nós podemos ajudar, Talar. Minha gente é capaz... Eles vão querer ajudar a salvar o próprio couro.

– Não há tempo para discussão! Eu preferiria que o couro deles, como o senhor disse, não acabasse no fundo do Grande Oceano como comida de naga! Nesta questão, em nossas embarcações, Guilnéas precisa cooperar.

A chuva os alcançou. Torrentes de água castigavam a tripulação. O mar começou a subir. Genn percebeu que este não era o momento nem o lugar para contestações. Era uma situação em que eles teriam de entregar seus destinos aos kaldorei.

Os ventos uivavam. Uma onda enorme apareceu subitamente, explodindo no casco e fazendo a robusta embarcação se inclinar, lançando humanos, elfos noturnos e worgens pelo convés. Genn escorregou e agarrou com força uma das cordas do mastro, fazendo todo o possível para se manter de pé. Aquela tempestade, aquele tsunami, desabou mais rápido do que os batedores haviam previsto.

Agora, Genn mal conseguia enxergar alguma coisa à frente. Só avistava-se a cortina de chuva.

Ele ouvia a sua gente gritando. Ele os ouvia discutindo com os elfos noturnos.

Impulsionando o corpo para frente, Genn começou a urrar ordens para seu povo.

* * * * *

– Vossa Majestade quer fazer o quê? – Godfrey lançou-lhe um olhar fuzilante através dos óculos de lentes grossas. As implicações do que acabara de ouvir eram de fato pesadas. Não à toa, estavam na sala de guerra.
– Você me ouviu, Godfrey.

– Quer murar a nossa nação inteira? Fechar nossas fronteiras e acabar com o comércio com o restante da Aliança? Eu... É uma decisão de enormes consequências, não acha?

– Eu já dei ouvidos a você e a Crowley, e veja onde isso nos meteu! Guilneanos mortos, destroçados por aqueles patifes verdes, e agora a Aliança, essa “Aliança” que vocês tinham tanta certeza de que seria um benefício para o nosso povo... A cada dia que passa, eles querem mais e mais. Eles tomam e continuando tomando, e o que recebemos em troca? Onde está a grande reciprocidade da qual vocês estavam tão certos?! Agora, eles querem que enviemos ouro para aquela bastilha... Etergarde... O que esse posto tem a ver com Guilnéas, com o meu povo? – Genn não estava disposto a ser desafiado.

Godfrey olhou para o velho mapa de Guilnéas em cima da mesa de carvalho e ergueu o cálice de vinho, sabendo bem que não deveria insistir no assunto. Genn era um rei decidido, como o pai.

O nobre tomou um grande gole de vinho. Era um Kul Tiraz tinto. Ele percebeu, sorvendo a bebida sobre a língua, que aqueles talvez fossem os últimos goles de vinho daquela ilha que ele tomaria.

Por fim, argumentou:

– Eu não estou sugerindo que seja um mau rumo. Contudo, creio que...

– Nós aceitamos a Aliança – interrompeu Genn. – Nós lhe demos o nosso apoio, e veja o que ela nos deu. Como nação, estamos mais pobres, enquanto a Aliança colhe os benefícios das nossas contribuições... Havia orcs... feras sanguinárias e selvagens. Você os viu, viu do que são capazes... Agora, Terenas quer mais ouro nosso. Talvez mais sangue nosso. Não, eu digo! – As palavras de Genn foram pronunciadas com a clareza de um homem que havia tido uma visão.

– O muro terá de cortar a terra de algum nobre. O senhor precisa entender isso. Nenhuma de nossas fronteiras naturais serve. Todas elas são frágeis.

– É claro que entendo, homem! Quem quer que seja será compensado, como também os fazendeiros e cidadãos no domínio dele.

Godfrey tomou outro gole de vinho, com a mente trabalhando como nunca, calculando as opções e estudando o mapa. Recostou-se na cadeira e comentou: – Neste mapa, parece que Vossa Majestade está estudando a possibilidade de passar a muralha pelo reino do lorde Marley... Mas veja o terreno, meu senhor... Há uma região montanhosa bem aqui. Daria uma fortaleza e tanto, com montanhas por dois lados, que criariam uma barreira natural.

– O que você diz é verdade.

– É claro que, para conseguirmos isso, nós teríamos que atravessar as terras do lorde Crowley.

Isolar Lenhardente e Lenhâmbar.

– Eu também já havia pensado nisso. É um rumo plausível. Mas... Crowley é poderoso. Ele tem muita influência, tanto quanto você, Godfrey. Pode ser que ele não aceite isso muito bem.

– É verdade. Contudo, ele teria de ver que a escolha é razoável. É o melhor para Guilnéas.

Qualquer um pode ver que daria uma barreira impenetrável – Godfrey insistiu, tomando um gole de vinho enquanto aguardava a reação de Genn.

– Daria realmente, Godfrey. E por certo transformaria o seu reino no mais valioso estrategicamente, pois se tornaria nosso divisor com o exterior. O seu seria o reino mais próximo do muro.

– Meu senhor, isso tem a ver com a localização, com Guilnéas. Espero que não esteja supondo...

– Pare, Godfrey. Você está certo sobre esta questão. Eu compreendo isso... Quaisquer que sejam seus motivos, velho amigo.

– Senhor, eu...

– Construir o novo muro por essas montanhas, com as terras do Portal Norte como divisor, garante a nossa segurança. Eu reconheço a sua lógica. Lorde Crowley… Darius terá de compreender.

Godfrey terminou seu cálice e rapidamente o encheu de novo. Ele precisaria da sua cota de vinhos e cervejas nos próximos anos, e sabia disso. Mas hoje, como diziam nos climas tropicais da Angra do Butim, ele havia feito “do limão uma limonada”. Ele se segurou para conter um sorriso.

– Então precisamos convocar uma assembleia dos nobres imediatamente. – Godfrey levantou-se. – Esse é o caminho correto, meu senhor, embora talvez seja controverso.

– Disso, eu sei... – Genn parecia hipnotizado pela luz da vela que tremeluzia. Fitou intensamente como se sonhasse com um futuro que, de alguma forma, estava naquelas chamas. – Mas imagine... Imagine só quão brilhante será o nosso futuro sem nenhuma interferência. Imagine só.

* * * * *

Os navios lutavam contra as ondas que rebentavam, deslocando-se um de encontro ao outro em uma formação orquestrada. Marinheiros noctiélficos corriam em direção a estibordo e bombordo dos navios, jogando cordas para os tripulantes das embarcações vizinhas.
A ideia era clara: se os navios conseguissem formar uma grande flotilha, na qual ficassem bem juntos, todos eles tinham uma chance maior de se defenderem da tempestade brutal do que cada navio teria sozinho.

– O grupo da retaguarda sofreu graves danos nos mastros, senhor! – gritou um dos taifeiros.

Talar correu para trás da ponte para ver.

– Talar... Onde está o Resplendor de Eluna? Não está no grupo da retaguarda? – Genn perguntou, subindo às pressas os degraus até a ponte do navio.

Talar hesitou:

– O senhor está certo. Ele ainda não apareceu. – Talar apontou o longo dedo cor de alfazema para a direita. Genn forçou os olhos para ver. Através do aguaceiro cinza ele pôde ver os contornos vagos de duas embarcações. Uma delas estava avariada, sendo rebocada pela outra.

– Elfo noturno, sua luneta. Agora! – Sem esperar, Genn a arrancou do marinheiro.

Olhando pelo óculo, Genn pôde ver as silhuetas vindo em sua direção. Seu temor foi confirmado.

O Resplendor de Eluna estava conduzindo um navio avariado, cujo mastro estava quebrado e cujas velas retalhadas desfraldavam-se pela proa.

– Toda a tripulação, depressa, protejam-se! – gritou o vigia na gávea.

Mas era tarde demais. Genn perdeu o chão, e ele e todos à volta ficaram à deriva no espaço. A luneta voou da mão do Rei, caindo barulhentamente pelo convés, que agora apontava para cima.

Em seguida, havia apenas o aguaceiro frio e salgado do mar... e a dor cega e aguda de cabeça e corpo batendo na madeira e deslizando para trás antes de cair.

A dor lhe fez recordar imagens. Um cálice retinindo pelo chão de pedra. O rosto de Liam.

BUM! O navio deixou o ar e bateu no mar com tanta força que os ouvidos de Genn ficaram zumbindo.

Ele ouviu um estalo e, quando olhou para cima, viu que o mastro da mezena havia partido ao meio com o impacto e estava caído no convés. Ouviu os gritos nervosos dos marinheiros que corriam para lá e para cá fazendo todo o possível para que a crescente inundação de água fosse retirada do navio.

– Aquela onda devia ter uns vinte e cinco metros. Não vamos aguentar sendo castigados assim por muito mais tempo, senhor! – gritou o taifeiro, levantando o corpo surrado. Genn também se levantou prontamente, tentando recuperar o equilíbrio. Seus ouvidos ainda estavam sendo perfurados com um zumbido oco. A onda agora deslocava-se diretamente rumo às embarcações no horizonte... rumo ao Resplendor de Eluna e à carga destroçada.

– Mia! Tess!

Antes que qualquer coisa pudesse ser feita, a onda bateu nas embarcações pesadas. Para Genn parecia que o tempo havia parado.

Os dois navios de transporte colidiram um contra o outro, tábuas de madeira voaram como lascas de árvores serradas. Parecia que o mar havia aberto sua grande goela, tentando engolir todos os destroços à sua volta, aspirando a embarcação destroçada e deixando o Resplendor de Eluna à deriva.

– Pela Luz! – Genn suspirou, suas palavras pouco mais do que um sussurro, como uma prece baixa e desamparada.

O outro navio sumiu antes que Genn pudesse piscar os olhos, deixando o Resplendor de Eluna sozinho enquanto o mar começava a puxá-lo para baixo.

– Peguem os esquifes... Preparem os barcos salva-vidas. Temos de tentar um resgate!!! – Talar agora gritava num frenesi concentrado de ação.

– Mas as vagas não param, Talar! Onda após onda! – gritou um marinheiro. As palavras perfuravam os ouvidos de Genn, que ainda zumbiam.

* * * * *

– Elas não param, meu senhor. Onda após onda! Elas não... param! Eu... Não podemos fazer muita coisa. – O capitão da guarda não conseguia esconder o pavor, boquiaberto, os olhos voltados para baixo. Genn, o adolescente Liam, o capitão e o infame arquimago real conhecido como Arugal estavam de pé nas paliçadas bem acima da Muralha Greymane.
Abaixo deles havia um mar de corpos bamboleantes de mortos-vivos, inúmeras criaturas aracnídeas ao ataque e monstruosidades imensas cujos corpos pareciam remendados com peles de cadáveres apodrecidos. A raiz dessa necromancia maligna não era clara, mas suas origens não o eram, Lordaeron. A mesma Lordaeron que semanas antes havia implorado ajuda a Guilnéas e recebido não como resposta.

– Pela Luz, olhe para eles. São tantos... tantos! – Genn estava espantado com o que via. A luz do luar refletia nas armaduras surradas das figuras descarnadas. Os ecos de seus gemidos se elevavam, persistentes e incessantes. Os mortos-vivos se moviam como se fossem um e com uma meta clara: romper a muralha.

Soldados guilneanos do lado de fora do muro enfileiravam-se, futilmente atirando flechas com pontas em chamas na multidão, deixando rastros na escuridão até encontrarem os alvos. Mas assim que um dos mortos-vivos ardia em chamas, outro surgia em seu lugar.

– Isso não vai terminar, Majestade. Já estamos nisso há dias. Eu... Eu creio que não resistiremos por muito mais tempo. Até mesmo a nossa grande muralha sucumbirá diante de tantos inimigos – falou o capitão, perturbado. Nos últimos dias, ele havia visto coisas terríveis, coisas que homem algum deveria ver, coisas que homem algum esqueceria.

– Acalme-se! Você é guilneano. Onde está seu orgulho? É claro que a muralha resistirá, e é claro que nós sobreviveremos a isso – respondeu Genn, severo. Ele precisava demonstrar liderança, não importa o que acontecesse. Tinha de ser o senhor do bando, o coração pulsante de Guilnéas.

Genn olhou para fora, ouvindo os gritos abaixo, vendo seus homens perderem terreno e arrastarem-se de volta à muralha. Imaginou o que o pai faria numa hora dessas. Tinha que haver uma solução.

– Pai, o senhor deveria... Deveria ter me ouvido.

Genn virou em direção à voz. Mal podia acreditar no que estava ouvindo. Seu próprio filho, Liam, seu próprio garoto, contestando-o de novo e aqui, na frente dos outros, enquanto Genn fazia de tudo para incutir fé.

– Agora não é hora, rapaz! Agora, não. – Os olhos de Genn queimavam com fúria.

Genn olhou para o arquimago que estava calado ao seu lado. Arugal era sempre um mistério.

Até aqui ele não demonstrara qualquer emoção discernível, qualquer medo. Em vez disso, apenas o olhar calmo e calculado de quem analisava, intrigado, os cadáveres vivos abaixo. Mas era esse o jeito daqueles que dedicavam a vida aos poderes arcanos. Genn nunca havia conhecido um que pudesse considerar empático.

– Mestre mago...

– Sim, meu senhor? – As palavras de Arugal eram frias e sibilantes, e seus olhos devoravam o espetáculo abaixo.

– Faça o que discutimos. Faça logo!

Arugal curvou ligeiramente a cabeça, um estranho sorriso malicioso em seu rosto como se ele fosse uma criança que ganha um presente. – Será feito, meu senhor.

E lá se foi ele, deixando Genn, Liam e o capitão com os sons pavorosos que vinham de baixo, o tinido do aço nas armaduras, os gemidos progressivos dos mortos-vivos e os berros dos soldados guilneanos agonizantes. Por um segundo, Genn pensou no que acabara de fazer. Ele vira os homens-lobo, os worgens, que Arugal havia evocado. Eram feras perigosas, e mais deles poderia ser um risco. Mas esta era uma situação de desespero; talvez fosse necessário monstros para derrotarem monstros.

* * * * *

A flotilha estava recebendo todo o impacto da tempestade, e ondas colossais castigavam os navios, mas a combinação da madeira resistente e dos rebites de aço de toda uma frota aguentava firme. Qualquer dano que um navio sofresse era logo reparado pelos tripulantes dos outros navios.
Contudo, a flotilha não estava amparando o Resplendor de Eluna. Não estava ajudando Mia e Tess. O navio, ou o que sobrara dele, estava afundando cada vez mais.

Quatro barcos salva-vidas foram jogados ao mar, formando espuma nas ondas turbulentas e na chuva que jorrava, e cujas cores contrastavam enormemente com o céu cor de ônix. Várias sentinelas desceram pelas escadas de corda até os esquifes, com as afiadas lanças dos elfos noturnos presas às costas. Genn rumou para estibordo do navio atrás de Talar.

– Talar... Eu tenho que ir com você – Genn suplicou.

– Rei Greymane, meu dever é levar o senhor e sua gente para Darnassus em segurança – gritou o elfo noturno, tentando sobrepujar o som dos trovões e do vento castigante. – Não posso, em sã consciência, arriscar a sua vida também. É uma tarefa perigosa, e é por isso que eu, como líder desta expedição, devo realizá-la. Recuso-me a arriscar mais do que um punhado da minha gente... Eu lhe prometo que farei todo o possível para trazer sua esposa e sua filha de volta.

– Elas são tudo que eu tenho, Talar. Eu preciso...

– O senhor tem de ficar! – disse Talar veementemente, que desceu pela escada de corda e entrou no barco. Rapidamente os barcos se afastaram em direção ao Resplendor de Eluna e às pequenas manchas roxas e rosa que flutuavam no mar, sacudindo os braços.

Genn observou os esquifes balançando nas ondas encrespadas. Não. Ele não podia ficar. Não podia. Era a família dele. Devia isso a elas. Mesmo agora, com o mundo deles despedaçado, mesmo levando em conta todas as escolhas tolas que ele havia feito, Mia e Tess ainda acreditavam nele e o apoiavam. Então, respirou fundo e soltou um urro. Genn sentiu a transformação, o corpo expandindo-se, os pelos crescendo rapidamente, o rosto alongando-se em um focinho acinzentado.

Com um uivo estrondoso, arqueando as costas e levantando os braços para os céus, a transformação completou-se. Genn era um worgen, um dos homens-lobo que ele havia mandado Arugal evocar há tantos anos, um dos homens-lobo que, com os Renegados, haviam destruído a nação dele. Mas, com esta forma, ele era mais rápido e forte. A maldição que o havia afetado tinha suas vantagens.

Genn correu para estibordo a toda velocidade. O convés molhado não afetou seu equilíbrio: estava excepcionalmente concentrado. O instinto animal corria pelas veias. Sua mente estava voltada apenas para o ato, nada mais, somente para a execução. E então, ao chegar à balaustrada, o worgen pulou!

Talar virou-se depressa ao ouvir o uivo. Sobre ele, caindo sobre o barco salva-vidas, estava Greymane.

Greymane havia pousado em pé, ficando olho a olho com o druida. As sentinelas à esquerda e à direita dele instintivamente desembainharam as lanças para atacar.

– Quando se trata da minha própria família, eu preciso agir. – A voz de Genn agora soava feroz, assustadora.

– Mas que homem teimoso! – exclamou Talar, fazendo um sinal para que as sentinelas recuassem. Após um instante, concordou com a situação.

Os barcos salva-vidas foram em direção ao navio que afundava. O Resplendor de Eluna vergou, a madeira rachando, o casco fendendo, a proa agora apontando para o céu.

– Aqui! Socorro!

– Pela Luz, por favor, por favor, me salve!

– Irmão druida, me ajude!

Braços agitando-se, pernas batendo freneticamente, figuras guilneanas e kaldorei tentavam com toda força manter a cabeça acima da água agitada.

As sentinelas nos barcos salva-vidas agarravam braços desesperados e puxavam sobreviventes para fora da água. O esquife de Talar e Genn avançava em direção ao navio de transporte avariado. Havia sobreviventes no alto da proa tombada. Seus gritos misturavam-se ao turbilhão de sons à volta: chuva, ventos intensos, a embarcação oscilante. Não havia muitos, ou tantos quanto deveria haver... Genn observou isso na mesma hora: “Os outros devem ter sido tragados pelo Grande Oceano ou pelas feras que habitavam suas profundezas.”

– Mia! Tess! – Genn chamou. Sua visão era melhor quando tomava a forma de worgen, mas, através da chuva, ele não conseguiu ver a família na proa. – Elas ainda devem estar lá dentro!

Elas têm de estar!

– Aproximem-se do navio. Joguem as cordas para lá. Agora!

As sentinelas a bordo do esquife levantaram bem alto as lanças, que agora estavam atadas com cordas. As armas ancestrais cravaram na proa, e as cordas desenrolaram, pendendo até as mãos fortes das guerreiras.

– Elas não estão lá em cima. Se estiverem vivas, devem estar lá dentro – Glenn exclamou. Sem esperar uma resposta, lançou-se do barco e agarrou-se nos rebites salientes do casco do navio.

Subiu até a escotilha, cujo vidro havia sido quebrado.

– Greymane! Pare. Os sobreviventes sempre têm ordens para irem para a proa ou a popa! Se elas estiverem vivas, é lá que vão estar! – Mas era tarde demais. Genn já havia arrancado a armação de madeira em volta da escotilha e desaparecido no interior do navio.

– Tolo... Vai se afogar. Se ele deseja resolver isso sozinho, que seja – sussurrou Talar. Com isso, o elfo trocou de forma, transformando-se num corvo da tempestade imenso, e elevou-se no céu cinza indo em direção à proa e aos sobreviventes que lá estavam.

Dentro do navio, havia um incêndio que emanava nuvens de fumaça escura. Genn mal conseguia enxergar. O calor era intenso, dificultando a respiração. Tudo estava inclinado num ângulo diagonal. Os salões estavam tortos e atulhados de tábuas e mobília chamuscadas. Acima de Genn, no lado de fora da cabine, ouviam-se os gritos desesperados dos sobreviventes.

– Mia?

Com a respiração comprometida, Genn deixou-se consumir pela raiva natural àquela forma selvagem e saiu correndo da cabine para o salão inclinado, por entre as chamas e a carcaça do navio, que desmoronava.

– Tess?!

A gravidade oprimia Genn; cada movimento para cima era uma luta. Os salões estavam atulhados de corpos. Entre eles, várias orgulhosas sentinelas kaldorei, algumas empaladas por estacas de madeira, outras, pálidas como se estivessem desprevenidas, com olhares de choque cheios de dignidade: não imaginaram que morreriam assim. Genn agora andava pelas paredes emborcadas. O chão estava à esquerda dele.

A fumaça vinha na direção dele, o cheiro de carne queimada grudava nas narinas. Não era um odor desconhecido.

* * * * *

Guilnéas ardia. A fumaça serpenteava pelas ruas laterais, e os disparos de canhões ecoavam pelo céu. Genn estava na paliçada, olhando para baixo. Era o mesmo local de onde ele havia observado, ainda garoto, poentes cor de tangerina ao lado do pai; o mesmo ponto de onde ele havia admirado a grande cidade e nação da qual seria o governante.
Mas agora aquela cidade corria perigo. Crowley havia marchado com seus homens, os rebeldes do Portal Norte, como eram chamados, pelos portões. Na visão de Genn, eles eram terroristas, e era preciso reagir à traição deles.

Crowley não havia aceitado a muralha. Havia desafiado Greymane e até mesmo ajudado a Aliança, durante o que agora era conhecido como a Terceira Guerra, enviando a “Brigada de Guilnéas” para lutar ao lado da grã-senhora Jaina Proudmore.





Genn havia tentado argumentar com o arrogante nobre. Convencê-lo de que a muralha era a solução. Ele havia tentado explicar por que ajudar a Aliança era tão errado, mesmo que seu próprio filho discordasse dessa opinião. Mas Crowley não enxergou a verdade disso. Insistiu que o que ele estava fazendo era o melhor para o futuro de Guilnéas e que acabaria com a “tirania” de Genn.

Uma guerra civil devastava a nação. A capital estava em chamas, atacada pela próprio povo de Guilnéas. O grande sonho de Archibald Greymane estava desvanecendo.

* * * * *

Genn virou-se agilmente e começou a escalar um corredor que deveria ser horizontal. Correu em direção aos gritos de socorro.
Acima dele, viu braços roxos estendidos por entre escombros que bloqueavam a passagem de uma porta. Mãos exploravam os entulhos que não as deixavam passar, procurando desesperadamente por uma saída. Elas deviam pertencer a marinheiros presos numa cabine na proa.

Genn não desperdiçou tempo. Com a mão direita dependurou-se, lançou-se para a frente e, com a mão esquerda, agarrou a armação de madeira, arrancando os entulhos. Através da madeira entortada pelos entulhos pesados ele agora via um elfo noturno olhando exultante para ele.

– Pela Luz de Eluna, de onde você veio? – uma voz exclamou.

– Nós viemos resgatá-los. – Genn puxou com força os escombros; no entanto, nada se movia.

Ele não conseguiria fazer isso sozinho.

– Empurrem! Se juntarmos forças, eu conseguirei tirá-los daí!

– Como quiser, worgen.

Genn concentrou-se, tentando manter as lembranças longe de sua mente confusa. Um cálice caindo. Vinho derramando no chão, como sangue. De novo, não. Aquilo não poderia distraí-lo agora. Não poderiam enfraquecê-lo aqui. Finalmente, ele puxou com força enquanto os elfos noturnos empurravam.

Um estalo! Os entulhos caíram. Genn lançou o corpo contra o que bloqueava a porta. Um marinheiro elfo noturno quase caiu, mas conseguiu se equilibrar. Eles estavam livres!

– Obrigado. Nós havíamos começado a aceitar a morte.

– Nunca aceite tão facilmente aquilo que é incerto, elfo noturno. Sigam-me.

Rapidamente vários marinheiros se apressaram para baixo com ele. Grossas nuvens de fumaça subiam lá de baixo.

– Onde estão minha esposa e filha?

– Suas quem? – perguntou um marinheiro com o rosto coberto de sangue.

– Você... é o rei Greymane? – outro elfo noturno acrescentou.

Greymane fez que sim.

– Os alojamentos delas ficam lá embaixo, mas nós não a vimos. As sentinelas tinham ordens de levá-las para a proa, mas...

– Mas o quê?

– Ninguém as viu, nem teve notícias delas... Elas estavam nas cabines a estibordo.

Genn se lembrou dos corpos mutilados das sentinelas que havia visto quando entrou no navio.

A imagem foi rapidamente substituída por outro lampejo de memória perturbador: um grupo de sentinelas deitado numa poça de sangue no Porto Quilha, em Guilnéas. As sentinelas haviam sido mortas pela Necroguarda dos Renegados. Os monstros mortos-vivos que serviam à Rainha Banshee tinham se associado a uma seita renegada de worgens que visava tomar as terras de Genn.

Genn e os marinheiros precipitaram-se pelos corredores em ruínas. Era possível sentir o navio afundar cada vez mais. Isso agora acontecia mais depressa, aos solavancos. No caminho, passaram por corpos de sentinelas mortas.

– Para baixo, pela esquerda. Barcos de resgate estarão esperando perto da janela. Vão! – ordenou Genn, apontando para o fundo do corredor, para a cabine por onde ele havia entrado.

– A cabine de sua esposa fica mais abaixo, perto do convés da popa. Boa sorte e obrigado – disse o marinheiro.

E então, Genn se soltou e se deixou cair, pelo salão, pela fumaça. Era uma sensação bizarra cair pelo navio. Ele via a água se elevando abaixo, pelo corredor.

– Ajude-nos! – Era a voz de uma mulher. Era a voz de Mia. Genn soube no mesmo instante. Ele esticou a mão e segurou o vão de uma porta, interrompendo a queda.

– Eu estou indo, meu amor!

Genn arrastou-se por um corredor encharcado. A água do mar entrava pelas escotilhas. Ele mal conseguia enxergar através da grossa fumaça e das cinzas que embaçavam a visão.

– Meu marido! – Mia gritou. Ela estava perto. Ele só precisava continuar.

– Aguente firme! Eu não vou perder vocês! – gritou Genn, cujas reminiscências agora invadiam mais depressa, mais uma vez imagens fragmentadas do corpo ferido de Liam em seus braços, um cálice rolando pelo chão na sala de guerra, vinho derramado. O Rei lutou contra aquelas lembranças: “Não, agora não!”

As imagens se dissiparam. Genn derrubou uma porta e forçou caminho para dentro de uma cabine.

– Pai! – Tess, sua linda filha, o agarrou com força. Atrás dela, no chão, estava Mia. A perna da mulher estava dobrada num ângulo lateral, inchada e roxa: claramente quebrada. – A mamãe...

A... A perna dela foi esmagada! Eu não podia abandoná-la... Quando o navio foi atingido, a cômoda caiu em cima dela e...

– Vão, vocês dois. Vão, meus amores... Vão enquanto há tempo. Por favor, deixem-me aqui! – Mia lutava para continuar coerente, apesar da dor.

– Eu não vou abandoná-la, mamãe!

– Nós não vamos abandonar você. Nunca! – Genn correu para o lado de Mia e a pegou carinhosamente nos braços. Ela gritou de dor, e o som partiu o coração de Genn. A perna dela pendia solta.

– Shhh... Pronto, meu amor. Eu vou tirá-la daqui. Você precisa ser forte. – Mesmo com dor, ela abriu para ele o sorriso largo que sempre iluminava seu rosto inteiro e enrugava o nariz arrebitado. Era o sorriso que o havia feito se apaixonar por ela há tantos anos quando se conheceram na Banquete Real de Aderic. Ela estava entrando em choque por causa da dor, mas seu sorriso continuava radiante. Genn dirigiu-se a Tess: – Agarre-se nas minhas costas, filha. Precisamos nos apressar!

Tess apertou os braços em volta do corpo robusto do pai, e com uma determinação que ele não sentia há dias, Genn se lançou para dentro da fumaceira, segurando Mia com todas as forças do seu ser. Os conveses estavam praticamente inundados, e o corredor que levava até a proa estava submerso. Com um braço, Genn projetou-se para a frente, movendo-se para cima com dificuldade, com Tess ajudando a segurar a mãe. Devagar, Genn forçou-se adiante com a família.

– Depressa, pai, a água está subindo!

Genn não olhou para baixo. Ele ouvia a urgência na voz dela e sabia que a água os alcançaria logo. Ver não ajudaria.

Virando num corredor, eles passaram pelos cadáveres das sentinelas e foram em direção à cabine por onde ele havia entrado. Mas antes que Genn conseguisse dar mais um passo, sentiu um frio na barriga. Os gritos de sua esposa e filha perfuraram os ouvidos dele, mas foram abafados pelo estrondo assustador do Resplendor de Eluna mergulhando mais fundo. O tempo não estava do seu lado, e com uma explosão de vigor, ele correu o mais rápido possível em direção à saída.

Do lado de fora da escotilha, ele viu os barcos salva-vidas reunidos, recebendo os poucos sobreviventes. A correnteza jogava os esquifes uns contra os outros, e Talar tentava manter o equilíbrio enquanto recebia os resgatados. Genn viu os marinheiros que ele havia libertado nos esquifes, vivos.

– Talar! A rainha está ferida. Você tem de ajudar a ela e a princesa! – gritou Genn, sua voz forçando passagem por entre a ventania.

– Solte-as. Eu as pegarei! Nós podemos curá-la! – Talar gritou, impressionado com o que estava vendo.

Genn olhou para a direita e a esquerda. Essas duas mulheres eram sua razão de viver hoje. Sem nação, sem filho. Elas eram tudo para ele. Olhou para a mulher e disse, com carinho: – Meu amor, vai doer muito quando você cair. Se eu pudesse impedir essa dor, eu o faria. Você precisa ser forte.

– Eu posso aguentar qualquer dor se você estiver ao meu lado, meu marido. Eu te amo... sempre.

Pode me soltar.

Genn sorriu, depois a soltou pela escotilha e ela caiu no mar. Olhou para filha: – Tess, você precisa ir. Ajude a sua mãe!

Tess abriu um sorriso forçado para o pai, com os olhos começando a encherem-se de lágrimas, passou pela escotilha e se jogou no mar.

As duas mulheres apareceram depressa na superfície, ofegantes, os braços batendo. O esquife de Talar foi para o lado delas e as sentinelas as puxaram para dentro.

Aliviado e orgulhoso do que acabara de fazer, Genn tentou passar pela escotilha, mas antes que conseguisse...

Vuuuuush!

Talar sentiu um vácuo puxando de baixo. Os esquifes bateram uns nos outros. Como se puxado por uma grande força subaquática, o Resplendor de Eluna foi tragado para o fundo.

Os olhos de Genn se arregalaram quando ele foi abruptamente jogado para trás. O worgen tombou aos trambolhões pela cabine, em direção ao corredor alagado. Uma sucção puxava-o para baixo, para o fundo das entranhas do navio afundado.

– Genn! – Mia gritou. O navio desaparecera. Só restaram círculos concêntricos de espuma ondulando para fora, como num alvo gigante.

Os pulmões de Genn se encheram de água, fazendo com que perdesse o pouco do ar que lhe restava. Agitou os braços, tentando nadar para cima, lutando contra a força que o tragava para baixo.

Estava entrando em pânico, o coração acelerado, pulsando na sua garganta, e percebeu que tinha pouco tempo de vida.

* * * * *

Genn estava entrando em pânico. Podia ouvir Godfrey, Ashbury e outros nobres chamando por ele na floresta, e sabia que o encontrariam logo. No chão à sua frente estava uma das feras, um dos worgens que assombravam a Floresta Negra, que representava lembranças terríveis do fracasso de Arugal anos atrás, lembranças terríveis das ordens de Genn para usar essas feras para combater o Flagelo, lembranças ainda piores de que os monstros que haviam se voltado contra o próprio povo de Genn. A criatura havia sido morta a tiros. Os disparos de bacamarte agora eram buracos no peito dele. Calor se desprendia do corpo inerte e poças de sangue começavam a coagular.
Era um segredo nobre sobre o qual o povo não podia saber. A cada lua cheia, Genn, Godfrey, Ashbury, Marley e outros adentravam a Floresta Negra, armados até os dentes, e procuravam as criaturas que a maior parte do povo achava tratarem-se de mito, de exageradas histórias de guerra contadas por soldados vindos da Muralha Greymane. Os nobres os caçavam por prazer e vingança, exterminando as pragas.

Genn levou a mão até a umidade quente em seu ombro, onde a pele latejava e ardia. Suas mãos estavam manchadas de sangue carmesim, grosso e pegajoso. Ele havia sido mordido. A fera o havia emboscado, atingindo seu ombro antes que pudesse disparar. Genn se encheu de medo.

Sentiu-se enjoado. Será que se tornaria um dos monstros que tanto desprezava? Sabia que se Godfrey, Ashbury e Marley vissem a mordida, eles fariam o que ele próprio esperava que fizessem. O que ele faria se estivesse no lugar deles. Eles o matariam. A maldição não podia se espalhar mais. Ele se levantou com dificuldade, limpando o sangue do ombro e ajeitando a gola.

– Senhor, está tudo bem? – gritou Marley, por entre as folhagens.

Genn rasgou um pedaço da algibeira e a enfiou sob o forro do casaco. Puxou a gola para cima ainda mais e se conteve para não gemer.

– Lorde Greymane? Onde está Vossa Majestade? – chamou Godfrey.

Genn levantou a gola o mais que pôde. A ferida queimava e ele ofegou de dor.

– Sim... Eu... Eu estou aqui. Eu matei a fera! – Genn gritou, torcendo para que conseguisse enganá-los. Afastou-se lentamente do corpo, ofegando nervosamente e tropeçando pela grama molhada para limpar as mãos ensanguentadas.

A língua do worgen estava pendurada de lado como uma fita rosa, e os olhos vidrados da fera o encaravam de forma acusatória.

* * * * *

– Pai! – Tess gritou, vendo o navio desaparecer sob o mar.
– Volte para a flotilha. Agora. Eu vou atrás dele. Vá! – Talar gritou as ordens da proa do barco salva-vidas.

– Por favor... Por favor, traga meu marido de volta – Mia implorou.

– Eu farei o possível, rainha Greymane. – E assim, Talar mergulhou na água. Debaixo da superfície, transformou-se num leão-marinho de pele lisa, uma forma que ele havia aperfeiçoado através dos milênios. Era uma forma que servia à sua vida como marinheiro. Ele via o Resplendor de Eluna deslizando para as profundezas, envolto pela escuridão abaixo.

Genn nadou com força, impelindo as pernas. A pressão nos pulmões era insuportável. Ele sentia a mente falhando, implorando por uma doce libertação, implorando para deixar de sentir a queimação no peito e a pressão nos ouvidos. O raciocínio estava acelerado, falhando, e imagens estroboscópicas de lembranças dançavam no limite da consciência. A dor que tais imagens induziam talvez fosse a única coisa que o impelia.

Ele reviu o dia em que os worgens atacaram Guilnéas. Relembrou a silhueta da misteriosa sacerdotisa noctiélfica que havia aparecido à sua frente, avisando do perigo que ele enfrentaria.

Pôde ver o filho orgulhosamente urgindo seu povo a lutar contra os Renegados. Pôde ver seu povo reunido atrás do jovem príncipe, com os rostos repletos de inspiração. Lembrou-se de pensar claramente de como estava orgulhoso do jovem que ele havia criado.

Mas Genn estava perdendo as forças depressa. Sua mão estava começando a soltar o vão da porta ao qual se agarrara. Sentia a correnteza arrastando-o para baixo.

“Fique de pé sozinho, garoto. Você pode fazer o que quiser se tiver a coragem e a determinação para se manter de pé.” A voz do pai passeava pela mente do Rei.

“Eu sei, pai. Eu sei.” Como se Genn tivesse tomado uma das poções vermelhas que os boticários faziam, a voz do pai lhe deu um ressurgimento de vida. Empurrou-se para a frente, com os olhos tremulando e a mente quase vazia.

“Você pode se superar de maneiras que nem imagina!”

Ele estava quase na escotilha. Lá fora, via-se a silhueta de uma criatura vindo na direção da janela. Era um leão-marinho contorcendo o corpo na correnteza.

Genn lutou contra a força atrás dele que tentava arrastá-lo para as profundezas. Lutou contra a escuridão em sua mente, que tentava puxá-lo para baixo com uma força igual a da água, fechando os olhos. Quando voltou a abrir os olhos, viu uma mão violeta estendida pela janela em sua direção. Era Talar, cuja outra mão agarrava firme o caixilho da janela enquanto a correnteza tentava empurrá-lo para dentro.

Genn olhou fundo nos olhos brilhantes do elfo noturno, depois para a mão esticada. Talar havia vindo buscá-lo. Ele havia arriscado a vida para salvar um homem que mal conhecia e de quem mal gostava.

Com um último ato de esforço, reunindo cada gota de força que lhe restava, Genn se lançou com a mão à frente, indo ao encontro do pulso firme de Talar.

E depois tudo escureceu.

* * * * *

A missiva estava desenrolada na mesa. Liam bateu o punho fechado sobre ela, esforçando-se para enfatizar sua convicção. Ele era apenas um adolescente, mas não ia mais ter medo de dar opinião. Estava assustado e zangado, e discordava totalmente do pai.
– Já pode se retirar, Liam. Eu já ouvi sua opinião sobre este assunto e não aprecio esse espetáculo. – Genn tomou outro gole de vinho.

– Mas e se a peste chegar aqui? E aí? – Liam insistiu.

– É por isso que a muralha separa a nossa grande nação das outras – Genn rebateu. Estava começando a se sentir ligeiramente embriagado, e aquela conversa estava lhe dando dor de cabeça.

– E se essas criaturas passarem pela sua muralha? E então, pai? Além disso, e se nós pudéssemos ter feito alguma coisa para evitar essa desgraça?

Em um movimento rápido, Genn levantou-se e lançou com força o cálice, ainda cheio de vinho, no chão de pedra. – Como ousa questionar seu pai, garoto? Saia!

O cálice rolou, retinindo contra o chão e derramando vinho como se fosse sangue de uma ferida recém aberta. Liam ficou olhando, pasmo, antes de voltar a falar.

– Não, senhor. Não sairei até que tenha me ouvido. Ouvido de fato pelo menos uma vez. Eles estão implorando, pai. Lordaeron só pede ajuda em horas de desespero. Eles estão morrendo sem parar. Não se trata de solicitações por impostos nem...

– São pedidos por fraqueza! Você quer ir até lá? Quer enfrentar aquelas monstruosidades? É isso? Não. Eu não vou arriscar a vida do meu filho nem de nenhum filho de Guilnéas. Meu pai não o teria feito, nem o filho dele o fará!

– Sempre o meu avô. Sempre. É como se o senhor não fosse rei, apenas um procurador esquentando o trono até ele voltar.

– Como se atreve, garoto?!

– Há outros rumos a serem considerados... Este filho faria escolhas diferentes das do pai dele.

– Quando eu tinha a sua idade, tudo que eu queria era ser igual ao meu pai. Esse é o dever de um príncipe.

– E eu pensei que o dever de um príncipe fosse se tornar, um dia, um grande rei. – Liam se virou.

Sabia que havia perdido a discussão. Seu pai agiria como sempre.

– Saia da minha frente! Vá, vá para longe daqui!... A muralha nos protegerá, garoto – Genn bradou, sentando-se abruptamente na cadeira. – Ela aguentará, e Guilnéas será sempre grandiosa... sempre!

Suas palavras ecoaram nas paredes do salão vazio.

* * * * *

Os olhos de Genn tremularam. Quando eles se abriram, o Rei foi ofuscado pelos fortes raios de sol. Rapidamente protegeu a vista com as mãos. Estava vivo. Não ouvia nem sentia qualquer chuva. Acima dele, um céu azul anil estava repleto de macias nuvens brancas.
– Você acordou! – disse alegremente uma voz familiar.

– Talar! – Genn sussurrou com um sorriso. – Você salvou a minha vida!

– O senhor estava falando enquanto sonhava, bom Rei.

– Eu estava sonhando com meu filho... Meu filho teria sido um ótimo rei, um rei melhor do que este teimoso pai.

– Genn... Lorde Greymane, não faça isso consigo. O senhor...

– Ah, não, Talar, isso está longe de ser tristeza... De fato, haverá vezes em que a perda dele baterá em mim como um pedra atirada contra o peito, mas agora posso me consolar...

– Eu não compreendo.

– Liam sabia que sempre há outros caminhos a serem considerados, que épocas diferentes exigem ações diferentes. Eu sou um pai orgulhoso por saber que meu filho era um homem mais sábio do que eu.

– Talvez todos nós possamos considerar outros caminhos... Seu povo é teimoso, e o senhor também, mas sem essa característica, muitos dos marinheiros não estariam vivos hoje. É uma honra transportá-lo a Teldrassil.

– Ah, sim, Teldrassil. Eu ouvi dizer que é uma visão inesquecível.

– Venha, sua esposa e filha aguardam. A perna da rainha foi curada. – Talar estendeu a mão para ajudar Genn a se levantar no convés.

Genn fitou a mão por um instante.

– Este velho rei não precisa de sua ajuda nem da ajuda de ninguém para se erguer, Talar Garralho. Não me diga que se esqueceu disso! – disse Genn, levando-se com um sorriso maroto.

Talar soltou uma gargalhada sincera e retrucou: – Como queira, meu amigo. – O elfo noturno continuou a rir. Era a primeira vez que Genn o ouvia rir, ou mesmo sorrir.

De pé, Genn observou a luz do sol brilhar no mar sereno. Seu corpo inteiro doía, mas seus pensamentos estavam mais claros do que há semanas. Esperou um instante, certo de que sua cabeça se encheria de lembranças que ele preferia esquecer. Mas nenhuma lembrança o assombrava agora. Os navios estavam se separando da flotilha. Agora, com o perigo já para trás, os navios desfraldaram as velas brilhantes e deslizaram pelo mar salpicado de sol.

– Você disse que esse tal arquidruida Tempesfúria crê que meu povo será um trunfo importante para a Aliança – perguntou Genn a Talar.

– Sim, eu disse.

– Talvez ele esteja certo, então... Talvez ele esteja certo.



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2 comentários:

  1. Olá.
    Quando eu clico para baixar o epub aparece apenas o cover.

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    1. Olá Álvaro.

      O link foi corrigido. atualiza a página e pode fazer o download.

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