sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Grito Infernal




Parte Um
Garrosh esquadrinhou a paisagem de Nagrand com cuidado. Nenhum batedor do Brado Guerreiro aparecia há dias. E por que apareceriam? Aquele topo de colina ficava nos limites do território do clã, e em época de paz não havia muito para patrulhar ali. Os ogros saqueadores vinham do oeste. Outros clãs órquicos vinham do oeste. Garrosh se lembrou de que até a caça ali era fraca naquela estação.


Ele ainda era bem jovem na última vez em que se sentara naquele lugar, e... 
Não. Garrosh nunca tinha se sentado naquele lugar, nem subido aquelas árvores nem passado os dedos por aqueles montes de capim quando criança. Este era um mundo diferente. 
Kairozdormu o acautelara quanto a algumas descobertas estranhas. Ele disse: “Eu passei a vida estudando as linhas do tempo. Se você tentar contar e comparar as folhas de grama, vai acabar enlouquecendo. Meus planos requerem algumas... condições favoráveis, e nós as encontraremos aqui. Esta é a linha do tempo perfeita para nós. Não é uma imagem perfeitamente idêntica, mas vai servir.”
Isso era o que iriam ver. Garrosh protegeu os olhos com a mão e olhou para a terra banhada pelo sol poente. Pelo menos ele sabia que o topo da colina era um local seguro para descansar. O prado aberto, verdejante e denso, revelaria quaisquer intrusos muito antes que pudessem divisar Garrosh. 

Atrás dele, Kairoz descansava, deitado de costas perto da fogueira fumegante, segurando um grande estilhaço curvo de vidro acima dos olhos. A luz do fogo e o sol poente criavam fulgores brônzeos na superfície do objeto. Ele perguntou: — Já pensou sobre o que discutimos, Grito Infernal? Você já perdeu muito tempo... 
Garrosh girou e encarou Kairoz com firmeza. — Não me chame por esse nome. Não aqui, nem nunca. 
Kairoz ergueu as costas, desajeitado. O dragão de bronze ainda não sabia se mover direito em sua nova forma órquica. — Não? O seu sobrenome com certeza atrairia a atenção do Brado Guerreiro. Empurraria as coisas pra frente. 
— Empurraria Uivo Sangrento contra o meu pescoço. E o seu — respondeu Garrosh. 
Kairoz deu um sorrisinho. A expressão em seu rosto era a de um quel'dorei, e parecia deslocada em um rosto órquico. — Seu pai e a arma dele não podem me tocar. A menos que ele possa voar. 
Garrosh não respondeu. Eu espero que você revele sua forma dragônica na frente de Grommash Grito Infernal. Eu realmente espero. 
Kairoz pôs o estilhaço de vidro no colo. Até aquele movimento simples parecia errado. — E então? Você se decidiu? 
— Sim. 
— E? 
Garrosh manteve o tom calmo na voz. Ele disse: — É hora de nossos caminhos se separarem. 
— É mesmo? — Kairoz deu uma risadinha. — Eu não me lembro de oferecer essa opção. 

— Você se parece com um orc, mas não age como um. Eles vão sentir seu cheiro. Eu preciso me aproximar sozinho. 
— Eu entendo. E em quanto tempo eu poderei me reunir a você? — o sorriso de Kairoz se aprofundou. 
— Quem sabe? Quando for a hora certa... 
— Você quer dizer "nunca". — Kairoz sacudiu a cabeça. — Ah, Garrosh, Garrosh, Garrosh. Sutileza não é o seu forte. Não vá passar vergonha. 
Garrosh conteve uma réplica dura. — Muito bem. — Sua voz estava controlada. — Eu vou ser claro: Minha Horda não precisa da ajuda de um dragão. 
— Hmm. A sua Horda? — Kairoz se levantou lentamente, segurando com cuidado o estilhaço de vidro na mão. — A sua Horda depôs você. Sem mim, você ainda estaria apodrecendo em uma cela de prisão. Você não tem o direito de me mandar ir embora. — O orc falso inclinou a cabeça. — E se você se recusar a se comportar, eu posso fazer você desejar ainda estar à mercê do machado do carrasco. 
A outra mão de escondia-se sob a faixa que lhe envolvia a cintura, o único item de vestuário que ele mantivera de suas roupas de elfo altaneiro. Garrosh ouviu um tilintar metálico. Uma arma escondida, talvez? 
A antecipação da violência se apossou da mente de Garrosh. O mundo ficou mais claro, mais nítido. Ele não demonstrou, e disse: — Meu povo merecia mais do que o destino reservou para eles. Eu vou consertar isso. Sem você. 
— Você não me dá ordens — disse Kairoz. — Eu... 
Já chega. Garrosh saltou para diante sem aviso, soltando um brado de batalha que preencheu o ar. Com três passadas ele ultrapassou a fogueira e agarrou Kairoz pela garganta, apertando e erguendo-o.

Houve um clarão de luz brônzea. O estilhaço de vidro na mão de Kairoz brilhou. 
Garrosh piscou. Sua mão apertava apenas o ar. A fogueira estava diante dele outra vez, a três passos de distância, como se ele não tivesse se movido. Kairoz sumira. Houve um momento de confusão mental e então um braço envolveu a garganta de Garrosh e o ergueu no ar. 
O mundo virou de cabeça para baixo. Metal frio — e familiar — se fechou com um clique em volta de seus pulsos. 
Ele caiu no chão com força. O joelho de Kairoz o apertou contra o solo, e seu antebraço apertou firme o pescoço de Garrosh. 
— Você acha que, porque agora sou mortal, eu fiquei fraco? — sibilou Kairoz. — Você já não é mais chefe guerreiro, Grito Infernal. Você está livre porque eu assim quis. Você se juntará ao seu pai e reunirá os antigos clãs órquicos porque eu assim quis. — O disfarce de Kairoz desapareceu do pescoço para cima, e a cabeça de orc tornou-se algo maior, reptiliano. Os olhos enormes do dragão de bronze desceram até ficar a bem próximos do rosto de Garrosh. Kairoz disse: — Você é um peão. Nada mais. Esforce-se para me ser útil, ou você será descartado. 
Garrosh mostrou os dentes. Seus pulsos tinham sido atados com os mesmos grilhões que ele usara ao escapar de seu julgamento absurdo. Agora ele compreendia por que Kairoz tinha removido os grilhões em vez de despedaçá-los. 
Kairoz escondera os grilhões, prontos para ser usados. Ele antecipara o confronto. Não, ele provocara o confronto. 
Lentamente Garrosh controlou sua fúria. Ele controlou sua respiração. Respirou pausadamente. "Tolo. Ele armou para você. Não cometa esse engano de novo." Aos poucos o mundo deixou de aparecer em vermelho diante de seus olhos. Sua voz soou constrita, mas serena. 

— E se você não precisasse de mim, dragão, teria me deixado em Pandária — disse o orc. — Suas ameaças são vazias. 
A boca reptiliana de Kairoz se curvou em um sorriso. — Contanto que nós estejamos entendidos. — Ele retornou completamente à forma órquica e se levantou, afastando-se de Garrosh. 
— Ah, entendi, sim. — Garrosh rolou de lado e usou as mãos amarradas para se erguer. — Pode acreditar. 
Algo faiscou em seus olhos quando ele se levantou. Perto dali estava o pedaço de vidro, que caíra no chão durante a luta. Kairoz apontou para ele. — Pegue. 
Garrosh olhou para o vidro. — Pegue você os seus brinquedos. 
— Agora é seu. — Kairoz falou como se se dirigisse a uma criança teimosa. — Você vai precisar. 
Garrosh olhou para o estilhaço, mas não se moveu. O vidro curvo pulsava, faiscando com uma tênue luz brônzea, a mesma luz que ele vira quando o dragão escapou de suas mãos. As bordas pareciam afiadas. Com as mãos atadas, seria complicado pegá-lo sem se cortar. — Eu achei que você tivesse dito que isso não tinha mais poder. 
— Eu disse que não tinha mais o poder de outrora. Não quer dizer que não tenha poder nenhum. Como você acabou de ver — disse Kairoz. Seu sorriso tinha voltado. 
Garrosh ergueu as mãos atadas. — E isso aqui? 
— Ainda parecem ter bastante poder, não é? Os grilhões vão ficar fechados até você me convencer de que entendeu qual é o seu lugar. — Kairoz voltou à fogueira e começou a chutar terra para apagar o fogo. — Pegue. Isso. Agora. 
Respirar com calma. "Não deixe ele provocar você de novo". Garrosh pegou o estilhaço com cuidado, equilibrando-o na palma das mãos. Outrora, quando a peça estava inteira durante o julgamento de Garrosh, a Visão do Tempo tinha duas imagens de dragões de bronze entrelaçadas ao redor do vidro. O estilhaço ainda tinha grudados a cabeça e o pescoço de um dos dragões. Era uma alça conveniente.
— Imagino que isto não tem poder para mim — disse Garrosh, com a voz tensa. "Ou você não teria me deixado tocar nele." Pensar nisso fez a raiva de Garrosh encrespar-se, quente. 
— Certamente que não. Mas não vá perder. Isso me deixaria zangado — disse Kairoz. Ele se afastou da fogueira, tendo arrancado uma folha de um galho baixo e a esmagado entre os dedos até que virasse polpa verde. — Você estava certo, Garrosh sobre eu e você sermos estranhos aqui. Vai ser melhor se nos apresentarmos ao Brado Guerreiro separadamente. Com meses de intervalo, até. Isso vai diminuir as chances do seu povo presumir que você e eu estamos... combinados. — Ele deixou a folha amassada cair e limpou a mão na coxa. Uma tênue mancha esverdeada ficou em sua palma. — Mostre o vidro a eles. Mesmo sendo tão primitivos aqui neste mundo, seu povo conhecia algo do sobrenatural, não é? Seu xamã deve dar conta. Qualquer idiota com algum talento pode entender o poder do que você está levando. Isso vai bastar para dar a eles uma ideia do que é Azeroth, e das riquezas de outros mundos. Quando você os tiver convencido a se juntar à sua Horda ideal para a conquista, eu aparecerei. Serei só mais um orc seguindo os novos rumos do seu povo. — Kairoz abriu os braços. — Eu vou descobrir novos usos milagrosos para o estilhaço. Nós o usaremos para viajar para qualquer mundo que desejarmos. 
— Eu só estou interessado em um mundo — disse Garrosh. 
— É que você não vê o que é realmente importante. Você quer uma Horda, livre da mácula demoníaca. Mas eu quero mais. Nós podemos cultivar um número infinito de Hordas... 
Garrosh riu. 
Kairoz baixou os braços. Sua expressão parecia perigosa. — Você duvida de mim? 

Garrosh o encarou abertamente. — A ampulheta foi destruída ao nos mandar para cá. Eu a vi quebrada no chão daquele templo pandarênico. — Ele ergueu o estilhaço. — Você pode conseguir fazer alguns truques com isso aqui, mas não finja que ainda é a Visão do Tempo. 
— Pense direito, Grito Infernal. — A voz de Kairoz era branda. — Como a maior parte da ampulheta está na nossa Azeroth, essa peça ressoa em harmonia com nossa linha temporal. É um vislumbre... Um faiscar do tempo. Com um pouco de esforço eu vou conseguir... 
— Nos levar de volta. — Garrosh sentiu o coração acelerar e a pele se arrepiar. Planos começaram a se desenrolar em sua mente. — Não só de volta à nossa Azeroth. De volta ao nosso tempo. 
— E isso é só o começo — disse Kairoz. Ele se virou, gesticulando para o sol que descia no horizonte de Nagrand. — Primeiro Azeroth. Então outros mundos. Todos eles. Tantos quanto precisarmos. — O dragão de bronze começou a rir. — Não seremos limitados por nada. Nem mesmo pelo tempo. As possibilidades são infinitas. Eu me tornarei infinito... 
Três passadas e Garrosh enfiou o estilhaço nas costas de Kairoz. 
A risada se transformou em gritos. O vidro pontiagudo rasgou a carne facilmente, sem quebrar, mesmo atravessando músculo e raspando em osso. Garrosh segurou firme a peça de bronze com as mãos atadas. 
Poder irrompeu no vidro. Escamas de bronze apareceram e desapareceram na pele de Kairoz. Ele estava tentando usar o estilhaço, tentando se transformar em dragão. Não estava funcionando. 
Garrosh o empurrou para o chão e caiu por cima, empurrando a ponta do vidro pelo ombro de Kairoz até tocar a clavícula, quando então ele a arrancou. Os gritos ficaram mais altos. Fracas mãos de orc se estenderam tentando afastar Garrosh. Ele baixou o rosto até chegar bem perto dos olhos do dragão de bronze e enterrou o estilhaço em sua garganta. Os gritos tornaram-se engasgos.
Garrosh segurou firme o estilhaço, ignorando as torrentes de energia entrando e saindo do vidro, concentrando-se na surpresa completa estampada nos olhos de Kairoz. 
— Chega disso — disse Garrosh. — Chega de manipuladores escondidos nas sombras. Chega de aproveitadores oferecendo poder corrompido. Chega de gente como você. Os orcs não terão mais mestre nenhum. 
Garrosh girou o estilhaço e o empurrou pelo peito de Kairoz, depois puxou e perfurou o dragão duas vezes. Sangue derramou-se pelo topo da colina. Não sangue órquico, não o sangue de alguma criatura que já tivesse caminhado por aquele mundo, mas a terra o receberia da mesma forma. 
Finalmente Garrosh arrancou o estilhaço e se ergueu. 
Kairoz convulsionava no chão. Garrosh observou, curioso. Ele nunca tinha matado um dragão de bronze. O estilhaço tremeu em sua mão, pulsando junto com as últimas batidas do coração do dragão. Névoa brônzea, de partículas do tamanho de grãos de areia, se evolava de Kairoz. Não se dispersava feito fumaça, mas unia-se em um vórtice fino feito corda, girando e desaparecendo como se fosse arrancada do mundo. 
Quando a névoa de bronze sumiu, o estilhaço se aquietou. Os olhos de Kairoz se arregalaram e ele parou de respirar. Garrosh esperou. Ele queria ter certeza. Os minutos se passaram, e ele por fim grunhiu com um aceno.
— Foi um fim melhor que o que você merecia. 
Ele deixou o corpo ali mesmo. Quem o encontrasse veria apenas um orc que tinha aborrecido a pessoa errada. 
"E não foi isso mesmo que aconteceu?" Garrosh sorriu.

Ele encontrou um pequeno riacho ali perto e lavou o sangue das mãos e do estilhaço. Seus pulsos atados tinham sido esfregados na luta e ardiam. Não havia nada a fazer por enquanto. A chave dos grilhões estava a muitos mundos de distância. 
Como agir agora? Ideias elaboradas surgiam e sumiam rapidamente. Kairoz tinha razão: sutileza não era o forte de Garrosh. Se ele se aproximasse com astúcia em demasia, se desse algum sinal de manipulação, seu pai o degolaria no ato. Grommash Grito Infernal não era tolo. 
Ou será que era?
Medo se agitou na barriga de Garrosh. Ele fora tão jovem. Mal se lembrava de seu pai. "E se ele não for o orc que eu espero?" Grommash Grito Infernal tinha sido enganado e tornara-se um escravo dos demônios. Ele se redimira no final, provando que tinha um coração forte, mas não fora infalível.
Garrosh considerara o problema por dias e ainda não sabia a resposta. "Como convencer um dos orcs mais fortes do mundo de que ele é fraco?"
Os últimos raios de sol desapareceram. Garrosh estava sentado, quieto, perto do arroio. Talvez devesse esperar. Levaria horas para chegar ao acampamento do Brado Guerreiro a pé, e os grilhões e o estilhaço realçariam o fato de ele não pertencer ao lugar. No dia seguinte, ou no outro, talvez fosse mais seguro, em vez de chegar agora, no meio da noite. 
Não, decidiu ele. Chega de esperar. Ele enrolou o estilhaço na faixa de Kairoz e enfiou no cinturão. Grommash reconheceria a força do coração de Garrosh ou não. 
Garrosh começou a caminhar. Ao nascer do sol ele saberia se viveria ao lado do pai ou se morreria nas mãos dele. 
"Lok-tar ogar", sussurrou ele. 

Parte Dois
— Grito Infernal. 
"... É o meu fim..."
— Chefe Grito Infernal? 
"... acabe com isso..."
Grommash Grito Infernal abriu os olhos. Sua tenda estava vazia, como sempre, mas seu braço estava esticado sobre a esteira de pele de animal, tentando abraçar alguém que jamais se deitaria ali de novo. Como sempre. 
De fora da tenda, outra vez: — Chefe Grito Infernal? 
Ele grunhiu e relaxou. A voz não tinha vindo dos seus sonhos, afinal. — Entre — disse ele. 
Um armoreiro do Brado Guerreiro entrou. — Chefe, o saqueador Riglo me insultou. Nós queremos resolver isso no mak'rogahn. 
Grommash piscou, afastando o sono dos olhos. — Vocês lutaram ontem à noite — disse ele. 
— Contra outros. Mas ele duvidou da minha honra, e eu vou provar o erro dele. Nunca mais ele vai falar que… 
O orc continuou falando. Os minutos se passaram. 
Grommash esfregou a testa e interrompeu finalmente. — Muito bem. Vocês podem lutar. Quando o sol se pôr... — Ele olhou para fora da tenda. A noite já tinha caído. Ele dormira o dia todo. — Não, vão se preparar agora. Não comecem até eu chegar. 

— Sim, Chefe Grito Infernal. — O armoreiro partiu. 
Esse é o problema com a paz, Grommash pensou. Muitos membros do Brado Guerreiro não tinham nascido no clã. Tinham se unido ao estandarte de Grito Infernal em busca de guerra e glória, e por algum tempo, tinham encontrado. Agora os inimigos tinham sido derrotados. Mesmo os clãs órquicos rivais andavam lentos nas empreitadas de guerra, graças a Gul'dan e seus avisos sobre uma ameaça vinda de fora. Até que os clãs decidissem como combater essa ameaça, não havia nada contra o que lutar. Alguns tinham problemas para ocupar o tempo. 
Mak'Rogahn. Não era para ser usado em disputas levianas. Grommash deu um longo suspiro e se ergueu, afivelando as manoplas. 
— Tolos — sussurrou ele, e se arrependeu imediatamente. Eles não eram tolos. Não mais do que ele era. Ele compreendia o caos sereno da paz, a maneira como o passado podia se impor a uma mente ociosa. Remorsos podiam fazer adoecer a vontade de um guerreiro, se durassem muito tempo. "Remorsos são fraquezas", Grommash repetiu para si mesmo. Não havia espaço no Brado Guerreiro para fraquezas, nem mesmo no coração do chefe do clã. Até o prazer modesto de assistir uma luta sem importância serviria para espairecer sua mente. 
“... me dê a morte de guerreiro que eu mereço..."
Uivo Sangrento, o machado da linhagem Grito Infernal, jazia perto da esteira. Já fazia algum tempo que ele não bebia sangue, e não era provável que o fizesse naquela noite. Grito Infernal o pegou assim mesmo e atravessou o acampamento até o fosso de combate. Uma multidão já se aglomerara ali — não todo o clã, claro. Apenas uma mísera fração deles havia retornado da temporada de caça, e poucos se importariam com o que acontecia no fosso. Mas ainda assim havia gente o bastante para cercar a beirada e bloquear a visão de Grommash até que ele chegasse ao assento do chefe. O armoreiro e o mestre de lobos já estavam no fundo do fosso, prontos para lutar. Eles o saudaram. 

A multidão ficou em silêncio. — Normalmente algumas palavras são proferidas antes do início da peleja, mas vocês já as ouviram antes — disse Grommash, permitindo certa agressividade na voz. — Só os que têm vontade de ferro podem se chamar Brado Guerreiro... 
"... não vê que é tarde demais?..."
A voz de Grito Infernal tornou-se um grunhido. — Mas vocês provaram seu valor antes. Provem novamente. Comecem! 
Os dois orcs avançaram, golpeando, agarrando, torcendo e arranhando. 
A multidão rugiu e bateu as armas, alto o bastante para sufocar a outra voz, a que apenas o chefe podia ouvir, e que gritava em suas memórias. 
Grommash sentou-se e cruzou os braços, depondo o machado sobre o colo. Alguns minutos depois, o mestre de lobos acertou a têmpora do armoreiro com um soco forte e a luta acabou. O vencedor passeou pelo fosso, adorando a adulação que recebia da massa. O outro ficou inconsciente no chão. 
No fim das contas, nada fora do comum. Mas eles ficaram à altura do estandarte do Brado Guerreiro. — Boa luta. Sem rendição. Honra ao mestre de lobos pela vitória, e honra ao armoreiro por lutar até o fim — disse Grommash. — Bebam com fartura hoje. Vocês dois provaram que têm o coração do Brado Guerreiro. "E acho que já é a oitava vez em duas semanas".
Dois orcs ergueram o armoreiro do fosso e deram tapinhas em seu rosto até ele acordar, grogue mas apascentado. Daquela vez não havia membros quebrados pra consertar. 
A multidão ficou por ali, ansiosa por outro confronto. Grommash concordou. Uma luta não bastava para aquietar o passado. 

Grommash ergueu o punho e a multidão se voltou para encará-lo. — Alguém mais? — perguntou ele? — Quem mais vai mostrar seu coração é do Brado Guerreiro? 
Vários na multidão ergueram ambas as mãos, gritando para chamar a atenção de Grommash. Um orc saiu empurrando com os ombros, abriu caminho e pulou no fosso. — Eu vou! — gritou ele. 
Grommash sorriu. "Os outros pedem. Ele age." O chefe não conseguiu se lembrar de imediato do nome do orc. As poucas tochas no fosso não forneciam luz suficiente. Grommash apertou os olhos, perscrutando aquele rosto. Estranho. Havia algo familiar ali, mas o nome não vinha. 
Sussurros desconfiados correram pela multidão. 
"Quem é aquele?"
Ninguém sabia. Os murmúrios se espalharam. 
Algo estava errado. Grommash se inclinou para diante e ficou olhando. Havia muita coisa errada ali. Grilhões atavam os pulsos do estranho orc. O corte e o tecido das roupas dele não pareciam com nada que Grommash já tivesse visto. A mancha escura que cobria seu queixo não era uma barba incipiente, mas uma tatuagem — tatuagem de chefe, incrivelmente elaborada. 
A multidão mexeu-se, inquieta. Logo o silêncio caiu sobre o acampamento Brado Guerreiro, e os orcs armados levaram as mãos ao cabo das armas. O orc postava-se alto e orgulhoso no fosso, parecendo gostar da confusão que causara, exibindo um leve sorriso. 
Grommash baixou a mão para o cabo de Uivo Sangrento. Ele aprendera a confiar em sua voz interior, e agora ela gritava que aquele orc era perigoso, um forasteiro que não pertencia àquele lugar. Um assassino? Caso positivo, era então um assassino ousado, ou estúpido, para entrar de pulsos atados em um fosso cercado por membros armados do Brado Guerreiro. 

A expectativa de violência dominou a mente de Grommash. Fazia tempo desde que seu machado bebera sangue. 
Mas aquela mesma voz interior... atiçou sua curiosidade. Por que ele parece tão familiar? — Então seu coração é do Brado Guerreiro? — perguntou Grommash. 
— Sim, é — disse o orc, com voz forte, falando para a multidão tanto quanto para Grommash. 
— Diga o seu nome. 
O orc ergueu o queixo. — Eu venho até vocês como um estranho, apenas isso. 
Grommash estudou o orc em silêncio por algum tempo. — Você não tem clã, estranho? Não tem linhagem? Seu nome não é louvado nas histórias de vitória na guerra? Ele demonstrou algum desprezo e a multidão riu nervosamente. 
— Histórias são palavras, e palavras são vento — disse o estranho. — Só as ações dão testemunho do que vai no coração. 
— Mas até uma história pequena pode responder certas questões. — Grommash gesticulou para os grilhões do estranho. — Que clã você enfureceu para merecer tal tratamento? E quando você escapou? Há algum exército atrás de você, estranho, se preparando para invadir meu acampamento? — Ele se virou para a multidão e não tentou esconder sua raiva. — E como ele entrou aqui? Quem é o responsável por vigiar hoje à noite, que preferiu viu assistir à luta? Apareça! — O rugido alto ecoou pelas fileiras de tendas. A multidão já não ria. 
Quatro orcs avançaram até a beira do fosso, e o silêncio tornava ensurdecedor o som dos seus passos hesitantes. Seus rostos evidenciavam sua preocupação, mas eles mantiveram a cabeça erguida e se identificaram pelo nome. Grommash deixou que ficassem esperando em pé até gotas de suor aflorarem em suas testas. 

— Um coração do Brado Guerreiro não significa nada se o cérebro for de ogro — disse ele, calmamente. — Vocês permitiram que esse orc se infiltrasse aqui. A justiça requer que vocês compartilhem do destino dele, qualquer que seja. vocês concordam? 
Eles murmuraram: — Sim, Chefe Grito Infernal. 
Grommash falou em um tom baixo. — Então juntem-se a ele. — Eles hesitaram mas pularam no fosso sem protestar. O estranho recuou para dar espaço. Eles o olharam com ódio. Ele os encarou sem piscar. 
— Estranho. Você não tem clã? — perguntou Grommash. 
— Como eu disse, meu coração é do Brado Guerreiro. Mas eu não tenho clã — disse ele. 
Grommash esfregou o queixo. — É por isso que você tem essas marcas? Você não tem clã... então você é o seu próprio chefe? 
A multidão riu outra vez. O estranho não sorriu. — É uma marca de outra época. Uma cicatriz. Nada mais. 
— Os membros do Brado Guerreiro não respondem com charadas e evasivas, estranho, e você não é bom nisso — retorquiu Grommash. — Me responda claramente. O que você veio fazer aqui? 
O estranho sorriu. — Você é a segunda pessoa a me dizer isso hoje. — Ele baixou a cabeça por um instante e se concentrou. Quando ergueu o rosto, o sorriso tinha sumido. No lugar, apenas convicção absoluta. — Grommash Grito Infernal, eu vim de muito longe e sacrifiquei muita coisa para me postar aqui diante de você. Eu estou aqui para impedir o destino que aguarda você e todos os outros orcs. 
— Que é...? 

— Escravidão. A perda de nossas almas e tudo o que nos dá nossa grandeza — disse o estranho, peremptório. 
A multidão olhou para Grommash, buscando sua reação. Ele não os fez esperar muito. 
Ele riu. Alto e forte. A tensão sumiu e todos os membros do Brado Guerreiro riram com ele. Até os orcs no fosso riram. Só o estranho permaneceu impassivo. "E eu achava que ele era perigoso" pensou Grommash. Quando a onda de hilaridade passou, Grommash se ergueu, segurando displicentemente Uivo Sangrento. 
— Muita gente iria querer sua cabeça por essas palavras, estranho. Já eu não vejo honra em matar lunáticos — disse Grommash. Ele disse aos orcs amuados no fosso: — Levem-no à tenda do ferreiro. Livrem-no das correntes, dêem-lhe comida e um odre de água, e depois escoltem-no para fora daqui. Vocês não serão punidos. — Os orcs relaxaram. — Talvez a culpa não seja toda de vocês. Se tivessem visto o estranho, talvez o tivessem matado, e os espíritos protegem os tolos. Mandem-no embora e aprendam a lição. Não quero mais deslizes. 
Os quatro orcs no fosso se aproximaram do estranho. — Você acha que estou mentindo? — disse o orc, recuando. 
— Não — respondeu Grommash, gentilmente. — Acho que sua mente está debilitada. O Brado Guerreiro não se rende. Para nós, a escravidão é o único destino que nunca enfrentaremos. Mesmo na derrota, mesmo capturados, nós resistimos até a morte. 
Um dos guardas no fosso agarrou o braço do estranho. O orc agrilhoado firmou os pés, entrelaçou os dedos e golpeou. Seus punhos bateram no queixo do guarda, derrubando-o. Os outros partiram pra cima. 
— Parem! — gritou Grommash. Eles pararam. — Você testa minha paciência, estranho. A misericórdia do Brado Guerreiro não vai muito longe, mesmo para lunáticos.

O estranho não recuou. — A escravidão do Brado Guerreiro não resultará da guerra ou da derrota. Vocês aceitarão seu destino de boa vontade, e felizes — disse ele, erguendo a voz — e você, Grommash Grito Infernal, será o primeiro a aceitar o jugo dos novos mestres dos orcs. O resto irá segui-lo. Nós nunca nos recuperaremos. 
Aquelas palavras foram recebidas com um silêncio completo. Ouvia-se apenas o leve rumor da brisa passando pelas tendas e o crepitar das tochas ao redor do fosso. 
Os últimos resquícios de piedade de Grommash sumiram. — Suas profecias são absurdas. E agora você insultou minha honra. — Sua expressão se endureceu. — Mas como você disse, palavras são vento. Só as ações importam. Você conhece o mak'rogahn, estranho? 
O orc agrilhoado inclinou a cabeça e moveu a boca, repetindo as palavras sem fazer som. Duelo de vontades. — Eu conheço o mak'gora. Conheço muito bem. Isso é muito diferente? — perguntou ele. 
— O Mak'Gora é uma luta até a morte — disse Grommash. — O Mak'Rogahn é como o Brado Guerreiro mostra seu valor. Eles entram no fosso e lutam, e só param quando caem. Não há rendição nem piedade. Só uma exibição da vontade de sobreviver a qualquer obstáculo e suportar qualquer dor. Os que desistem são exilados. É assim que alguém prova que seu coração é do Brado Guerreiro. Nosso clã nunca mais vai tolerar a fraqueza. 
— Nunca mais? — perguntou o estranho. 
"...me dê a morte de guerreiro que eu mereço..."
Grommash ignorou a lembrança. — Se suas palavras são verdadeiras, lute. Mostre-nos sua honra. 
O estranho olhou para as mãos atadas por um instante. — Eu aceito. 

— Excelente. O Mak'Rogahn não é uma luta até a morte, mas acidentes acontecem — disse Grommash. — Você não apenas me insultou, como insultou todo o Brado Guerreiro. Talvez vocês quatro queiram defender nossa honra. 
— Nós aceitamos! — rugiram eles de volta, sem hesitar. Os olhos do estranho se abriram um pouco mais. 
— Comecem — disse Grommash, reclinando-se no assento. 
Eles começaram. 

Parte Três
Os quatro orcs do Brado Guerreiro se atiraram para cima de Garrosh, agarrando-o. Ele caiu de costas, rugindo e cobrindo o rosto com as mãos, punhos e pés choveram sobre ele. A multidão rugiu, aprovando. 
Acidentes acontecem — disse seu pai. Claramente todos queriam um acidente agora. O estilhaço de vidro estava enfiado às costas de Garrosh, sob a cinta, enrolado em tecido, mas a ponta se enfiava dolorosamente nas costas de Garrosh. Ele sentiu a tentação de puxar o estilhaço… não. Não. Não adiantaria nada. Revelar uma arma escondida era desonesto e só garantiria sua morte. 
A velha e familiar sede de sangue inundou sua mente, mas ele resistiu a tentação do frenesi. Quatro contra um não era coisa para resolver na força bruta. Ele balançou de um lado a outro, tentando receber os golpes na carne, não nos ossos. Até funcionava, mas logo a dor começou a se espraiar por todo o seu corpo. 
Pelo menos nenhuma costela tinha se quebrado ainda. Não recebera nenhum golpe no queixo ou nas têmporas. 
Seus atacantes tinham sucumbido à fúria. Cada soco e chute vinha com a intenção de matar. Estavam desperdiçando energia. 
Garrosh continuou se movendo, chutando, lutando, tentando evitar os golpes que o aleijariam, deixando-o indefeso. 
Ele tinha passado por muita coisa para morrer agora. 
Um dos orcs martelava sua cabeça com chutes ritmados. Bam. Bam. Bam. Era previsível. Garrosh esticou os braços e envolveu a canela do orc com a corrente que unia seus pulsos. 
Então ele sorriu. 

* * * 
Grommash sacudiu a cabeça e se virou para um dos guerreiros à sua esquerda. — Quando isso acabar, livrem-se dele rápido. Ele pode ser louco, mas talvez seja importante para alguém. Não quero rixa de sangue por causa desse tolo. 
O guerreiro riu. — Pelo menos ele sabe morrer. 
— Sabe, sim. — Grommash não conseguia ver quase nada além de um borrão de golpes dentro no fosso, vislumbrando o estranho a espaços. Ele ainda se mexia e lutava, ainda deitado de costas, recusando-se a se render. — Ele levou minhas instruções a sério. Pior pra ele.
Um dos quatro orcs no fosso saltou para trás subitamente, rugindo de dor. Seu pé esquerdo dependurava-se em um ângulo errado. Grommash e os outros riram. Chutou tão forte que quebrou o pé. O orc ferido rilhou os dentes e voltou para a refrega, rosnando e cobrindo a cabeça do estranho de socos. Logo em seguida houve outro grito de dor e o mesmo orc cambaleou para longe com o pulso torcido e quebrado. 
Alguns na multidão ficaram quietos. Grommash também. Ele vira o que eles tinham visto: o estranho tinha usado a corrente como arma. 
E aquilo foi só o começo. Um chute acertou o joelho de um dos orcs e o fraturou. Outro chute acertou um orc entre as pernas, derrubando-o. em alguns instantes o estranho tinha incapacitado ou atordoado três oponentes. 
A animação ao redor do fosso cessou subitamente. 
O último orc rosnou e recuou para fora do alcance dos chutes, permitindo que o estranho se erguesse respirando forte, trôpego, mas ainda estável. Ele encarou o último oponente e eles investiram um contra o outro. 

Grommash não piscava. Não acreditava no que estava vendo. Nada de medo, nada de hesitação. Violência encarnada. Sede de sangue canalizada em puro poder. Uma mente devotada apenas à vitória, sem nada que a distraísse. 
"É assim que eu luto" pensou Grito Infernal. 
O orc do Brado Guerreiro acertou o estranho no estômago uma, duas, três vezes, então o prendeu pelo pescoço. O estranho entrelaçou os dedos e ergueu as mãos feito um martelo, acertando o queixo do orc. Houve um som repulsivo quando a mandíbula do orc se fechou violentamente. Dois dentes saíram voando. Ele caiu para trás, revirando os olhos. 
Tinha acabado. 
Os três orcs machucados começaram a se levantar, aproximando-se lentamente do estranho, recusando-se a desistir, embora tivessem sido obviamente espancados. O Mak'Rogahn assim o exigia. Enquanto pudessem lutar, lutariam. 
O estranho se afastou deles. — Já provei que meu coração é do Brado Guerreiro, Grito Infernal! Eles provaram? — perguntou ele. — Ou será que preciso matá-los? 
Grommash não respondeu. Ele estava observando. Ouvindo. A multidão murmurava: "Ele luta... ele luta como Grito Infernal..." 
O orc com o joelho fraturado se forçou a rastejar de quatro na direção do estranho. cada movimento o fazia arquejar de dor. O estranho recuou mais, até chegar à borda do fosso. — Chefe Grito Infernal, eu não vim matar os membros do Brado Guerreiro. Eu vim para salvá-los — disse ele. 
— Já chega — disse Grommash. — A luta acabou. — O orc ferido desabou. 
Grito Infernal desceu para o fosso segurando Uivo Sangrento. O estranho ficou parado. Todo o clã susteve a respiração. 

Grommash se aproximou até ficar a um passo de distância do estranho e o inspecionou com cuidado. A tatuagem facial, as cicatrizes, os olhos ferozes, o semblante estranhamente familiar. O estilo de luta. Os grilhões, marcados com a insígnia de um animal que Grommash nunca vira. — O que é isso? — Perguntou ele, calmamente. 
— É Xuen, o Tigre Branco, a marca dos Shado-pan — respondeu o estranho. 
— De quem? 
— Eu venho de muito longe, Grito Infernal. — O estranho falou suavemente. Havia desespero em seus olhos, mas não loucura. — Meu caminho agora não importa O seu caminho é tudo o que interessa, e é por isso que eu estou aqui. 
Os sussurros da multidão ainda chegavam até o fosso: "Ele luta como Grito Infernal". 
Grommash ergueu Uivo Sangrento bem alto e o fez descer. O machado gritou ao cortar o ar. 
Clang.
As mãos do estranho finalmente se separaram, indo repousar ao lado do seu corpo. Os grilhões tinham se partido. 
— Acho que nunca vi um orc como você — disse Grommash. — Venha. Vamos conversar. Mas fique avisado — disse ele, encostando o fio de Uivo Sangrento no pescoço do estranho. — Se você desperdiçar meu tempo, se seu intento for prejudicar meu clã... eu vou arrancar sua cabeça. 
O estranho não tremeu, não piscou. — Se minhas palavras de nada servirem, não vou me opor. Se eu fracassar aqui, minha vida não vai valer nada. 
— Muito bem. — Grommash saiu do fosso e caminhou de volta para a tenda. O estranho o seguiu. 

Parte Quatro
Grommash acendeu uma pequena tocha em sua tenda e sentou-se no chão, gesticulando para Garrosh fazer o mesmo. A luz tênue bruxuleava pelas paredes feitas de pele grossa de feras, que se enfunavam com a brisa fria da noite. 
Garrosh se abaixou lentamente até o chão. A dor da luta duraria por dias, mas não havia indício de nenhum ferimento mais sério. — Eu tinha uma vantagem no fosso — disse ele. A voz dele estava calma e não transparecia nada. 
— Pode dizer — disse Grommash. 
— Surpresa. — Garrosh repousou as mãos nos joelhos. — Eles acharam que eu estava acabado na hora em que eu caí. 
O chefe do clã grunhiu. — Você ensinou a eles algo que já deviam ter aprendido. O inimigo não está morto até morrer. 
— Uma lição que você compartilhou com seus inimigos, pelo que eu sei — disse Garrosh. "Grommash Grito Infernal... o orc com a vontade de ferro... meu pai." Ele teve que se esforçar para não sorrir. — Eu estou curioso. O Mak'Rohgan. Não sei de nenhum outro clã que o pratica. 
— O quanto você sabe sobre mim, estranho? 
— Sei um pouco — foi a resposta cautelosa de Garrosh 
Um odre de vinho jazia à esquerda de Grommash. Ele ofereceu a Garrosh, que recusou. O chefe tomou um longo trago e então falou: — O Brado Guerreiro já sofreu em tempos difíceis. Um ataque de ogros quase nos eliminou. 
Garrosh conhecia essa história. A morte de sua mãe, o renascimento do clã Brado Guerreiro, o começo da lenda de Grito Infernal. — Foi quando você perdeu sua companheira, não foi? É difícil quando a família morre em combate. 

— Nós não falaremos dela — disse Grommash, com ferro na voz. 
Sua raiva era chocante. Garrosh hesitou. — Eu ouvi dizer que Golka morreu lutando, matando vários ogros antes de tombar — disse ele. 
— Meu clã demonstrou fraqueza naquele dia. Eles ficaram para trás — grunhiu Grommash. — Eu tive que mostrar aos membros do clã como encarar a morte. Com sangue nas mãos e a garganta do inimigo entre os dentes! — Ele arremessou o odre vazio para longe. — O Mak'Rohgan expurga do meu clã a culpa daquele dia. Todos os que querem se chamar Brado Guerreiro têm que passar pelo desafio. 
Garrosh não sabia o que dizer. Pelo jeito havia mais naquela história do que ele ouvira quando criança. — Mas sua companheira, ela... 
— Eu disse que nós não falaremos dela. 
"O que isso significa?", pensou Garrosh. Uma morte honrada devia ser celebrada, mesmo que se tratasse de uma batalha perdida. "A menos que..."
Lembranças da infância de Garrosh retornaram. Dia após dia ele vivera com a culpa e a vergonha de ter um nome que ele considerava amaldiçoado. 
— Eu entendo como você se sente. — Garrosh escolheu as palavras com cuidado. — Meu pai morreu com o machado enterrado no peito do inimigo. Uma boa morte. Mas o caminho que o levou até lá foi coberto de desonra... tudo por causa de uma única decisão errada. Por muito tempo eu vivi com raiva do meu pai. Foi raiva desperdiçada. O momento de fraqueza do seu clã e da sua companheira ainda podem machucar, mas o filho que ela lhe deu... 
— Meu filho? Ela nunca me deu um filho. 
Grommash olhava nos olhos de Garrosh, perscrutando e julgando. Garrosh sequer piscava. — Eu não sabia disso — foi tudo o que ele disse. 

"Kairoz". Garrosh sentiu um músculo do rosto tensionar. "Contar as folhas de grama". Ele passou um instante rememorando o prazer que sentira ao perfurar o torso do dragão, sentindo o sangue quente de Kairoz banhando suas mãos. Aquilo o acalmou. Ele respirou fundo. Eu não nasci nesse mundo. Grommash nunca foi pai aqui. Foi isso o que o dragão de bronze quis dizer com "linha do tempo perfeita"?
Garrosh se preparou mentalmente. "É hora de dizer a ele por que eu vim". — Mas eu pergunto, chefe Grito Infernal... 
* * * 
— … se você pudesse voltar e salvá-la, você o faria, não? Eu faria. Meu pai tinha o coração honrado. Ele foi enganado e merecia um legado melhor. Talvez Golka mereça também. 
"… não vê que é tarde demais? Acabe com isso!"
Legado. Grommash fez uma careta. — As palavras são vento. A menos que você possa me levar de volta, eu não vou mais falar dela. "Golka". Ele não se permitira mencionar o nome dela em muito tempo. Como o estranho conhecia o nome dela? 
O estranho levou as mãos às costas. — Eu não posso fazer você voltar, mas posso ajudá-lo a olhar para diante. — Ele exibiu uma trouxa de pano e a desenrolou. Um estilhaço de vidro com bordas afiadas apareceu. Garrosh o depôs entre ele e o chefe. — É com isso que você vai evitar cometer um erro imperdoável. 
Grommash não tocou no objeto. — Você estava com isso o tempo todo? 
— Sim, chefe Grito Infernal. 
O fio do estilhaço podia matar, nas mãos de um orc motivado. "E você não o usou mesmo com quatro orcs tentando matar você a chutes" Poucos teriam tal autocontrole. — O que é isso?

O estranho sorriu. — Um amigo chamou de... vislumbre do tempo. Ele achou que isso era afiado demais, e por isso eu peguei pra mim. — Ele bateu com o nó dos dedos na peça. O som era quase musical. — Isso vai confirmar minhas palavras. 
— Então fale. 
— Deixe eu falar sobre uma coisa. Armas. — Os olhos do estranho brilharam. 
Grommash escutou. O estranho falou de bombas de mana, energia mágica concentrada explosivamente. Criaturas chamadas "feiticeiros", experientes com tal poder, podiam explorar e refinar essa energia e usá-la para eliminar clãs inteiros em um instante. 
— Essa arma existe — disse o estranho. 
Ele continuou, descrevendo armas inacreditáveis. Dispositivos de metal e fogo que quebravam rochas, lâminas giratórias enormes, capazes de estraçalhar um inimigo ao menor toque, armas de cerco que podiam ser usadas em terra ou no mar. — Essas armas existem. 
— Eu nunca as vi — retorquiu Grommash. 
— Ainda não — disse o estranho. — Mas eu posso ensinar como construí-las, como usá-las, como os inimigos podem tentar combatê-las. Mas o Brado Guerreiro não pode construí-las sozinho. Você precisará de outros clãs, de seus recursos e habilidades. 
Os olhos de Grommash se estreitaram. — Então eu prefiro não usá-las. Por que eu iria dar aos outros clãs o poder de dizimar o meu povo em um único ataque traiçoeiro? "Unir o Brado Guerreiro a outros clãs vai acabar mal para todos nós". Ele fez um gesto para além das tendas. — Nós temos as partes mais férteis de Nagrand, temos comida, abrigo e caça por anos. Nenhum clã tem coragem de nos desafiar. Eles sabem que vão pagar caro. 
— Então é assim que o Brado Guerreiro vive? Complacente e satisfeito com o que têm? Sem almejar mais nada? — A boca do estranho se torceu em um sorriso incipiente. 

As palavras doeram, mas Grommash não demonstrou raiva. Se as frequentes disputas no mak'rogahn provavam algo, é que o seu povo estava longe de andar satisfeito. Era estranho que o forasteiro se apercebesse disso. Grommash disse: —"Querer mais" é muito diferente de precisar dessas suas armas impossíveis. 
"...me dê a morte de guerreiro que eu mereço..."
Grommash ignorou a voz dela. Por que o estranho o fazia se lembrar dela? A lembrança apenas o fazia pensar na vergonha do clã, mas ele não conseguia esquecer. 
— É verdade. Mas você não precisa temer os outros clãs. Eles não vão trair você, Grito Infernal. — A luz da tocha refletiu-se nos olhos do estranho. — Vocês usariam essas armas contra um inimigo comum. 
— Quem? — A resposta era óbvia e ele riu. — Os draenei? Você é um dos discípulos de Gul'dan? Ele é quem vive falando disso. — Gul'dan entrara em contato com Grito Infernal, discretamente, e provavelmente também com outros chefes de clã, insinuando ter encontrado uma nova fonte de poder que eclipsava as artes xamânicas. Esse poder, dizia Gul'dan, poderia se provar crucial para derrotar os draenei. Grommash ainda não tinha se convencido de que aquelas criaturas de pele azul eram perigosas, mas as visões de Gul'dan certamente eram inquietantes. — Esse é o poder secreto dele, estranho? você está construindo essas armas a mando dele? 
— Não, chefe Grito Infernal. Eu nunca encontrei Gul'dan... 
* * * 
... mas minhas armas irão impedi-lo — disse Garrosh, abrupto.
As chamas crepitavam na tocha. Nenhum outro som pairava na tenda a não ser o suave rumor da brisa. Garrosh via a desconfiança no olhar do pai. Desconfiava, não de Gul'dan, mas de Garrosh. 

— Impedir Gul'dan. De fazer o quê? 
— De convencer você e todos os outros orcs a se tornarem escravos — disse Garrosh. — Gul'dan vai começar uma guerra que os orcs não podem vencer sozinhos. Ele reunirá os clãs e lhes oferecerá um presente, um presente que deveria garantir a vitória. Mas nesse dia... 
— Que presente? — interrompeu Grommash. 
Era perigoso ignorar um chefe de clã, mas Garrosh continuou falando. A raiva que sentia de Gul'dan transparecia em suas palavras. — Mas nesse dia, chefe Grito Infernal, você será o primeiro a aceitar esse presente, não por ser fraco, mas por não querer que nenhum outro orc assuma tal risco. — Os olhos de Garrosh tremeram e sua voz agora era pouco mais que um sussurro. — Esse presente fará você perder tudo. Seus pensamentos, sua mente, sua vontade, tudo será reduzido a uma peça nas mãos dos seus novos mestres desconhecidos. Meu pai foi enganado assim. Eu vim para cá para me certificar de que o mesmo não aconteça com você. 
O pai de Garrosh ergueu uma sobrancelha. — Se o que você diz é verdade — respondeu Grommash, evidentemente duvidando de tudo aquilo — então não precisamos de suas novas armas. As velhas ainda podem furar o coração de Gul'dan e dar fim a ele. 
"Um fim melhor do que o traidor merece". — Gul'dan é uma marionete. Mate-o e os mestres dele encontrarão outro vassalo, talvez daqui a algumas gerações, quando eu e você e todos os que se lembrarem dele já tiverem morrido — disse Garrosh. — Eles não se esquecem, e são pacientes quando precisam. Não. Não daremos a eles a chance de se reagruparem. Nós vamos atrai-los, revelá-los pelo que são e então vamos esmagá-los. 
Grommash suspirou longamente. — Você fala de perigos impossíveis, estranho. Então eu estou destinado a ser enganado por um inimigo desconhecido, que vai me oferecer um poder que eu não posso imaginar, e a única maneira de evitar isso é usando armas que eu nunca vi? — Ele sacudiu a cabeça. — As palavras são vento. Como você vai provar isso? Com esse estilhaço? — Ele acenou com a cabeça para o estranho pedaço de vidro recurvo diante deles.
Garrosh aquiesceu. — Sim, chefe Grito Infernal. 
— Como? 
Garrosh também tinha se perguntado o mesmo. Na verdade, tudo o que ele tinha era uma intuição. mas era uma boa intuição. Enquanto crescia em um Draenor em ruínas, esfacelado, ele frequentemente visitara um local sagrado, implorando aos espíritos por respostas e orientação. Por muitos anos eles não tinham respondido. 
Então Thrall aparecera, e os espíritos mostraram a Garrosh como seu pai tinha se redimido no final. Aquele momento o colocara em um novo caminho. 
— Eu quero levar o estilhaço para as Pedras da Profecia — disse Garrosh. — Meu próprio destino foi mudado pelos espíritos de Nagrand. Eu acredito que o seu também será. 
* * * 
Grommash coçou o queixo. As Pedras da Profecia 
Muitos xamãs de clãs diferentes tinham feito peregrinações até as altas pedras, mas poucos recebiam respostas dos espíritos que ali habitavam. “Só aqueles com relâmpago no coração recebem orientação das tempestades do destino", dizia o antigo ditado. Grommash conhecera o sábio e velho xamã que vigiava o local das pedras, mas nunca quisera conhecer o monumento. Ele não era como o chefe do clã Olhos Sangrentos, que se mutilava para obter um vislumbre do destino. Ele preferia acreditar que seu destino estava em suas próprias mãos. 
E no entanto o estranho dizia que os espíritos o tinham orientado. "Interessante". — Você é um xamã? — perguntou Grommash. 
— Não. 

— Você comunga com os elementos? — insistiu ele. 
— Não, chefe Grito Infernal, mas eu acredito que eles irão ajudar você — disse o estranho. 
— Por quê?. 
— O destino de todos que vivem neste mundo repousa em seus ombros. Não só o dos orcs. Os elementos responderão à nossa necessidade. 
— E se não responderem? — perguntou Grommash. 
O estranho não hesitou. — Arranque minha cabeça. Se isso acontecer, eu não vou precisar dela. 
Grommash ergueu Uivo Sangrento e outra vez encostou seu fio ao pescoço do estranho. Os olhos de Garrosh encontraram os dele, sem piscar. — É um preço perigoso, estranho — disse Grommash. 
— Lok-tar ogar. Se eu não puder convencer você, então eu falhei. 
Grommash abaixou o machado. Por alguns instantes pareceu imerso em pensamentos. O estranho era uma incógnita. Um vendaval de perguntas soprava na mente de Grommash, mas ele não falou nada. As perguntas podiam esperar. 
O que era realmente importante? 
O destino? Escravidão? Honra? Força de vontade? 
Fraqueza. 
"… não vê que é tarde demais? Acabe com isso!"
Grommash fechou os olhos. Fraqueza. Essa era a chave. Esse estranho, forte o bastante para derrotar quatro orcs do Brado Guerreiro amarrado, o que lutara como se tivesse o coração de um Grito Infernal, estava avisando Grommash sobre a fraqueza, e ele dizia que podia provar a verdade de suas palavras. Ele apostava a própria vida nisso.
Ele podia tolerar o estranho um pouco mais, para saber a verdade. O Brado Guerreiro não sucumbiria à fraqueza novamente. 
"Um coração do Brado Guerreiro não significa nada se o cérebro for de ogro", dissera Grommash. Grommash aprendera aquela lição do pior jeito. Ele se esforçara tanto para provar que tinha força de vontade que acabara entrando em uma luta que não podia vencer. Um inimigo desconhecido estivera esperando — não, estivera contando com — seu descuido. 
"... É o meu fim..."
Grommash abriu os olhos e sorriu. — Nós iremos juntos às Pedras da Profecia, estranho, e eu vou cobrar seu juramento — disse ele. 
O outro orc pareceu satisfeito. — Fico feliz. 
O chefe olhou para os machucados e inchaços que cobriam o corpo do orc. — Você tem forças para ir? 
— Sim. 
Grommash se ergueu. Ele olhou para fora da tenda e viu a primeira luz da aurora acima do horizonte. — As pedras não ficam muito longe, e temos muito o que conversar. Se esse perigo for real, como eu posso convencer os outros clãs? Fora do Brado Guerreiro eu não sou muito benquisto, estranho. 
O outro orc se levantou. — Mas você tem o respeito deles, e você terá o que oferecer. Espólios de guerra mais abundantes do que você jamais sonhou... 
Eles saíram juntos para a luz cambiante da manhã, e um sorriso começou a se desenhar nos lábios do estranho. 

Parte Cinco
Os espíritos nas Pedras da Profecia já andavam inquietos há dias. 
Tinham demonstrado inquietação a noite inteira e a manhã. "O destino mudou. Alguém chegou. Os eventos já estão mudando." A algaravia desde então tornara-se apenas murmúrios esparsos e confusos. 
O Ancião Zhanak já vira coisa pior. Já vigiava as pedras há décadas, e há muito compreendera que os espíritos não eram pacíficos, mas enérgicos, e não eram passivos, mas adaptáveis. Às vezes se zangavam. Às vezes sentiam medo. Às vezes queriam falar. Mas naquele dia, não. Não com Zharak, nem com os peregrinos. Ele aceitara — o que mais ele podia fazer? — e agora estava sentado à sombra, meditando, vislumbrando algum indício ocasional da inquietação dos elementos. 
Distorcido, mudado. O lugar dele não é aqui. Quem é ele? Quem é ele?
Aquilo não o assustava. O destino era algo delicado. Às vezes os espíritos se dignavam a mostrar um vislumbre do que talvez pudesse acontecer — talvez — ou do que havia se passado, mas não podiam estabelecer os passos de nenhum orc, mesmo que quisessem. Os elementos só podiam falar do que sabiam, e eles não sabiam de tudo. 
Um sussurro o trouxe de volta. — Ancião Zhanak. — Era um dos aprendizes do xamã. — Peregrinos estão chegando. 
Zhanak não se incomodou de abrir os olhos. Há três décadas sua vista deteriorava, e tudo o que se encontrasse a mais de dois metros de distância se tornava um mero borrão de luz e cor. Mas quando os elementos estavam do seu lado, ter os sentidos deficitários não era tão incapacitante. — São três, não são? 
— Quatro. 
Zhanak franziu o cenho. Os espíritos só falavam de três orcs. — Tem certeza? 

— Um é o chefe Grommash Grito Infernal. Ele vem com dois orcs do Brado Guerreiro. Eu não reconheço o quarto — disse o aprendiz. 
— Entendo. — Zhanak ergueu a mão nodosa. — Por favor, levante-me. — O aprendiz levantou o mestre cuidadosamente. Os joelhos fracos tremeram um instante, então se firmaram. O xamã fez que si com a cabeça, satisfeito. Seu cajado o manteria em pé pelo tempo necessário. — É melhor se afastar, meu jovem. 
— Não. 
— Eu não estou pedindo — disse Zhanak, gentilmente. — Grito Infernal e eu nos entendemos, mas creio que hoje será um pouco diferente. Talvez ele não goste quando eu ordenar que ele vá embora. Eu não o temo. Ele pode arrancar minha cabeça, mas só estaria me roubando o tempo cada vez mais curto que ainda me resta. O seu prejuízo seria bem maior. Vá. — O aprendiz hesitou, mas finalmente se afastou. 
Zhanak postou-se sozinho e espero pelos orcs do Brado Guerreiro — e seu estranho convidado. Ele começou a ouvir com atenção, pois os murmúrios dos espíritos ficavam mais e mais fortes. 
É ele. Ele chegou. ele chegou. ELE CHEGOU.
Os espíritos estavam em pânico outra vez. As mãos de Zhanak apertaram seu cajado. "O destino é delicado", pensou ele, sombrio. "Espero poder protegê-lo hoje."
* * * 
— O clã Rocha Negra não é tão hospitaleiro, estranho — disse Grommash Grito Infernal. Ele desviou de uma pequena rocha na estrada e os guardas o seguiram a alguns passos respeitosos de distância. — Nem o clã da Mão Despedaçada. Eles vão querer mais que bijuterias e promessas. 

— Quando eles perceberem que há outro mundo pronto para ser conquistado, irão querer uma parte maior dos espólios. Você não terá que lhes dar Nagrand — disse Garrosh. — Há um lugar chamado Altaforja — os Rocha Negra sacrificarão muita coisa para tomar posse de lá. Quanto à Mão Despedaçada, dê a eles a terra perto de um lugar chamado Aldeia Sen'jin. Eu até ajudarei a tomá-la. E vou gostar de ajudar.
Garrosh mantinha sua felicidade oculta. Seu pai considerava seriamente suas palavras. Grommash já contemplava maneiras de conduzir os orcs unidos, a Horda. "Acho que devo isso a você, Kairoz", pensou Garrosh. — Se isso não bastar, fale para eles dos prodígios que saquearemos dos draeneis. 
— Você disse que eles não são a ameaça prevista por Gul'dan — disse Grommash. 
— Não são, mas vão ficar no caminho. É melhor lidarmos com ele logo. Você vai ver — disse Garrosh. 
Grommash não parecia convencido. — Pode ser. — Ele ficou em silêncio enquanto finalmente chegavam ao topo do último aclive. As Pedras da Profecia estavam perto agora. 
Um orc esperava por eles, parado próximo a uma árvore. — Ancião Zhanak — disse o chefe. — É bom vê-lo novamente. 
O orc ancião, de mãos nodosas, retorcidas pela idade, apoiava-se no cajado. — Já faz muitas estações desde que eu o vi, chefe Grito Infernal!, mas as notícias das suas conquistas chegaram aos meus ouvidos. Você trouxe muita honra ao Brado Guerreiro — disse ele, com afeto e respeito. 
Garrosh se adiantou. "Se meu pai é amigo dele, é melhor eu ser também" — Saudações, ancião. Eu fiz uma longa jornada e... 
O ancião o interrompeu. — Eu sei. — Já não havia mais afeto na voz. — Qual é o seu nome?

— Eu sou um estranho, apenas isso. 
— Qual é o seu nome, estranho? — A hostilidade na voz de Zhanak deixou Garrosh mudo. O ancião ergueu um dedo ressequido e disse: — Seu lugar não é aqui. Sua presença enfurece os espíritos. Você traz caos a este mundo apenas por existir. 
Garrosh olhou para o pai e viu que um véu de dúvida agora lhe toldava os olhos. "Esse xamã velho pode arruinar tudo". — Eu sou mesmo de uma terra distante... 
— Sinto o cheiro de mentiras antes de você abrir a boca, forasteiro. — O xamã chiava de fúria. Ele se aproximou lentamente e encarou bem dentro dos olhos de Garrosh. Veias saltavam em sua pele enrugada. — O destino está tendo espasmos. Você quer destruir tudo o que temos neste mundo. 
Uma presença opressiva parecia nublar a mente de Garrosh. Os espíritos realmente o odiavam. "Se você soubesse o que eu fiz aos seus irmãos em Durotar, você me mataria no ato". Rapidamente Garrosh pegou o estilhaço da cinta e o desenrolou. — Isso vai provar... 
O xamã bateu no estilhaço, derrubando-o. — Eu não quero saber de seus truques vis — disse Zhanak, e sua voz aumentou. Ele cortara feio a mão na borda afiada, mas não parecia notar o sangue pingando para o chão. — Chefe Grito Infernal, você se poupará de muita dor e sofrimento se matar essa blasfêmia imediatamente. Cada passo que ele dá resultará na morte de incontáveis inocentes. Veja. Ele vai negar. 
— Eu não nego nada — grunhiu Garrosh. Ele apontou para o estilhaço na grama. — Eu vou destruir tudo. Eu preciso. Isso vai mostrar meus motivos. 
— Ele mesmo se condena — disse Zhanak, sereno. — Mate-o. Mate-o agora.
— Você acredita que exista um destino pior que a morte, ancião? — Garrosh se esforçou para manter o tom respeitoso. O menor sinal de desprezo faria seu pai se voltar contra ele. — Eu não trago a paz. Eu trago a guerra. O caos. A morte. Cada um de nós podia morrer mil vezes em agonia excruciante, e ainda assim seria um preço justo para impedir o que o destino decretou para todos os orcs.
— Ancião Zhanak — disse Grommash — este estranho diz que em breve todos os orcs serão escravizados. 
— O que será, será — disse Zhanak. 
Ao ouvir isso, Garrosh soube que tinha uma abertura. — Não. Eu não vou ficar parado esperando pelo fim. — Garrosh virou-se para Grommash, implorando. — Nem você. Eu sei. 
— Zhanak — disse Grommash —, eu tenho que ver por mim mesmo. Se ele encontrou... fraqueza... em nosso povo, isso deve ser sanado. 
Zhana sacudiu a cabeça. — Os espíritos não vão falar com você hoje. 
— Eu tenho o direito de pedir. 
— Mas ele não. — Zhanak apontou para Garrosh novamente. — Se você insistir em levá-lo com você, eu tentarei impedir. Você terá que me matar.
Garrosh resistiu à tentação de quebrar o dedo do ancião. "Eu vou gostar de ver você morrer, seu idiota senil", pensou ele. — Eu vou ficar aqui com o ancião, chefe Grito Infernal. Leve o estilhaço. Fale com os espíritos. Isso é importante demais para perdermos tempo. 
Grommash ficou parado em silêncio por um bom tempo, considerando Garrosh com o olhar. — Ancião Zhanak, eu devo fazer isso. eu tenho que saber ao certo. 
A expressão de Zhanak se franziu como se ele tivesse provado algo azedo. — Muito bem. Acabe logo com isso. 

Grommash pegou o estilhaço com cuidado do chão. — Você, fique aqui — disse ele ao guarda do Brado Guerreiro. À guarda orquisa ele disse: Me acompanhe. — Eles caminharam pelo caminho que levava às pedras. 
Garrosh não disse nada. Ele manteve os olhos no pai, ignorando o olhar venenoso do ancião. O guarda que ficara para trás observava Garrosh com atenção. 
— Se isso acabar mal pra você — disse o guarda — não corra. Vai ser bem mais fácil se você aceitar o seu destino. 
— Pode acabar mal pra mim, mas se eu não puder mudar o destino dele, vai acabar pior pra vocês — respondeu Garrosh. — Eu não tenho nenhum interesse em ver isso. 
O guarda grunhiu. Garrosh olhou para as pedras. Sentia o estômago fervilhando de ansiedade. 
"Agora não há mais nada que eu possa fazer".
* * * 
Grommash foi para o centro do círculo de pedras depois de entregar Uivo Sangrento à guarda. — Não me perturbe, nem perca o machado — disse ele. 
— Sim, chefe Grito Infernal. 
O ar zumbia com o poder. Todos os movimentos de Grommash pareciam perturbar os espíritos. Zhanak não mentira. Eles odiavam o estranho. Talvez isso significasse que não havia esperança de obter resposta alguma. "Mas o estranho pagará o preço disso, não eu", pensou Grommash, sinistro. Seria uma pena decepar a cabeça de um orc tão notável, mas promessa era dívida. 
Grommash segurou o estilhaço deitado sobre a palma das mãos e o inspecionou com cuidado. Havia pequenas partículas de luz brônzea faiscando pelo vidro, como pequenos grãos de areia no interior. "Que objeto fascinante".

Talvez houvesse um jeito tradicional de saudar os espíritos. Se houvesse, Grommash não conhecia. Ele iria direto ao ponto. Se não respondessem, pronto, que fosse. — O estranho acredita que o destino deste mundo depende da minha decisão — disse Grommash, erguendo o vidro. — Ele também diz que a prova está aqui dentro. Provem que ele está errado e ele morrerá aqui mesmo. Me mostrem a verdade, seja lá qual for. 
O ar rodopiou. Partículas de fogo, água e terra rodopiaram junto com o vento e envolveram o estilhaço. 
Grommash não hesitou enquanto o poder preenchia o estilhaço, nem quando uma luz forte faiscou em seus olhos e uma névoa se ergueu de entre as Pedras da Profecia, e súbito Grommash foi carregado para longe... 
* * * 
Em um piscar de olhos, Grommash desapareceu, Uma parede de névoa sólida, diferente de tudo o que Garrosh já vira, preencheu o círculo de pedras. Nem quando Thrall lhe concedera visões Garrosh testemunhara algo assim. O guarda perto do círculo de pedras se inclinou para um lado e para o outro, tentando divisar o chefe do clã entre as brumas. 
O guarda perto de Garrosh ficou tenso. — Se você tiver matado o chefe, estranho, você morre em seguida — disse ele, ríspido. 
Garrosh sacudiu a cabeça. — Ele está bem. — Suas palavras traíam o medo súbito que dominava seu coração. Como os espíritos reagiriam ao vislumbrar outro mundo, outra época? Entrariam em pânico? Será que poderiam matar Grommash? — Eu esperava por isso. "Tem que funcionar". Confiança. Ele precisava demonstrar confiança. 
Dentro das brumas uma luz incandesceu subitamente. 
O ancião Zhanak gritou: — Não!

Os dois outros orcs se viraram. O xamã caíra no chão. — Não! — gritou ele. — Não pode ser! — O guarda se ajoelhou perto dele, segurando-o pelos ombros enquanto o velho orc tremia em convulsões.
"Ele está vendo o que o meu pai vê". A sensação opressiva de ódio e desconfiança sumira. "Os espíritos também". E eles estavam tão horrorizados quanto Zhanak. 
Garrosh se voltou para as Pedras da Profecia e esperou. 
* * * 
— dias, semanas e meses passavam a cada piscada. Grommash observava, atônito. 
"Era tudo verdade. Tudo o que o estranho dissera era verdade."
Uma guerra que os orcs não tinham como vencer. O sangue azul dos draenei e o sangue rubro dos orcs se misturando no campo de batalha. O povo órquico unido em um contingente assustador, bem maior do que o Brado Guerreiro teria conseguido reunir sozinho. "Essa é a Horda". Grommash mal conseguia conceber tamanho poder. O estranho não chegara nem perto de descrever aquele potencial. 
O tempo continuou a passar rapidamente. Ele viu a terra em franca decadência enquanto uma nova força — os bruxos — chegavam ao poder. Ele viu a pele órquica mudar de cor, trechos verdes aparecendo mesmo nos que nunca tinham tocado na energia corrompida. 
Ele viu o "milagre" de Gul'dan, um presente de poder incalculável de um benfeitor desconhecido. E, sim... Grommash foi o primeiro a avançar e beber do presente oferecido. 
Mas o estranho errara. Grommash pouco se importava com o perigo para os outros orcs. Ele seria o primeiro porque só pensava em uma coisa: "Ninguém será mais forte do que eu. Nem por um instante. Eu nunca vou ser fraco."

Grito Infernal encarou a profecia e se viu bebendo um líquido brilhante, sentindo seus efeitos tão forte quanto se tivesse bebido no mundo real. Ele sentiu seu corpo se transformando. Sentiu a fúria formigante na pele, que tornou-se inteiramente verde. Sentiu o poder encobrir tudo o que ele era. 
— Eu me sinto... ótimo! — gritou ele, na visão. — Quero carne draenei pra rasgar e cortar! Sangue draenei em meu rosto… Eu vou beber até não aguentar mais! Eu quero o sangue deles!
Era mesmo magnífico. 
E errado. Seus pensamentos não eram mais dele. Ele também conseguia sentir isso. 
A névoa seguiu levando-o. 
* * * 
O xamã ancião gritou outra vez: — Não pode ser! — Ele tremeu, se agitou e seus olhos se fecharam. Baba pingava do canto da boca. 
O guarda do Brado Guerreiro continuava olhando para as Pedras da Profecia. — Ele está morrendo? E Grito Infernal? — perguntou ele. 
Garrosh fez um gesto na direção da estrada. — Vá. Eu fico aqui. Se for preciso, tire Grito Infernal da névoa. 
O guarda não precisou ouvir duas vezes e correu na direção das pedras. Garrosh se ajoelhou perto de Zhanak, sentindo um estranho alívio. — Você entende? — perguntou ele ao ancião. — Por isso eu viajei para cá. Para impedir isso.
O xamã agarrou o peito. Seus dedos apertavam a pele acima do coração enquanto ele se retorcia e murmurava. O corte na palma de sua mão, onde ele se cortara, deixava manchas vermelhas em suas vestes. — Não pode ser. Não pode acontecer. Não pode ser. — 

A respiração tornou-se rápida e rasa. Ele abriu os olhos. — Ainda há esperança. Redenção. Redenção.
— Sim — disse Garrosh, suavemente. — Redenção. Foi pra isso que eu vim. — Ele tocou o braço do ancião e sentiu a pulsação rápida, inconstante. Ele estava morrendo? Era possível. — Eu trarei a redenção ao seu povo. 
Zhanak não parecia ouvir. — Grito Infernal tem o coração certo. O coração certo para mudar tudo isso. 
— Sim — concordou Garrosh. 
— O coração para resistir. Para lutar. Para unir todos os orcs. Para liderar. 
Garrosh sentou-se com as pernas cruzadas e repousou a cabeça do xamã em seu colo. — Sim. Tudo isso e muito mais. — Ele deu tapinhas no ombro do ancião. "Pelo menos o velho tolo entende agora."
— Paz... talvez conheçamos a paz... 
A mão de Garrosh parou. 
* * * 
Lok-tar ogar. Vitória ou morte. A visão mostrava ambos. Uma vitória contra os draeneis e então a morte daquele mundo, corrompido por magia vil. 
Os próprios elementos seriam arruinados. Grommash sentia o choque deles sacudindo as Pedras da Profecia. Aquela visão era tão surpreendente para eles como era para ele. 
Então Gul'dan teve outra ideia magnífica: invadir um novo mundo. Azeroth. A Horda atravessou um portal, obteve vitórias, destruiu cidades, chacinou todos que tentaram impedi-los.

As vitórias não duraram. Quando a derrota veio, foi completa. Os orcs que sobreviveram foram capturados e mantidos em campos de concentração. 
E não revidaram. 
Nem mesmo os do Brado Guerreiro. "Eles não revidaram." O poder corrupto deles tinha desaparecido, deixando-os impotentes. 
"Nossas almas. Nossas almas se perderão." Grommash queria chorar. 
* * * 
Os olhos de Zhanak se voltaram novamente para o rosto de Garrosh. — Você viu. Você sabe. Um povo unido. Protegendo uns aos outros. Uma visão gloriosa. Grito Infernal pode liderar o povo a isso. Ele tem o coração. Gloriosa... 
— Essa é a horda, ancião — disse Garrosh. 
— Grito Infernal pode dar conta disso. Pode superar isso. A corrupção não será o fim. — As lágrimas rolavam pelo rosto de Zhanak. A voz dele denotava júbilo e esperança. — Um mundo em ruínas, mas outro mundo mais forte do que nunca. O sacrifício de Grito Infernal nos salvará a todos. Você viu… 
A visão o arrebatou e ele começou a tremer de novo. 
Garrosh olhou em redor. Os dois guardas estavam em pânico nos limites da névoa, debatendo sobre interromper ou não a visão. Não havia mais ninguém ali. Se o xamã tinha alguém pra cuidar dele ou aprendizes, não estavam por perto. 
— Eu vi uma vez, ancião — disse Garrosh. Ele apertou as narinas do xamã com a mão e com a outra cobriu sua boca. — E não verei uma segunda. 
Grunhidos abafados escapavam de entre os dedos de Garrosh, mas o xamã não conseguia mais puxar ar para os pulmões. As mãos de Zhanar arranhavam Garrosh. 

— Os ancestrais o receberão bem — murmurou Garrosh, olhando direto para frente. 
Ele esperou que os grunhidos abafados, os tremores e a pulsação cessassem por completo, o que não demorou muito. E depois ele manteve as mãos em posição por mais trinta segundos. 
Então ele fez o xamã se reclinar no chão. — Os ancestrais irão dar as boas-vindas a você — disse Garrosh outra vez, e realmente acreditava naquilo. O ancião tinha o respeito do próprio Grommash Grito Infernal. Era uma pena ele ter que morrer. 
Garrosh caminhou em direção às Pedras da Profecia. Talvez os elementos fossem se enfurecer pelo que ele fizera. Ou talvez não tivessem visto nada. A visão parecia tê-los mesmerizado. 
"E isso me lembra..."
Uivo Sangrento estava nos braços de um dos guardas de Grommash. Garrosh sorriu e o pegou. 
* * * 
Cativeiro. Horror. Morte. Mesmo os orcs fora dos acampamentos não conseguiam subsistência adequada naquele mundo estranho. Mesmo Grommash Grito Infernal, o orc de vontade de ferro, o orc com o coração de gigante, o temível líder do Brado Guerreiro... ele perdia a batalha contra a letargia e o desespero, e vivia se escondendo dos conquistadores dos orcs, desejando a morte secretamente. 
Seus pensamentos espelhavam a voz dela. A voz de Golka. Finalmente ele entendeu. Ela não fora fraca. Nem por um instante. Como ele não vira aquilo? 
"...me dê a morte de guerreiro que eu mereço..."
— Não é possível! — uivou Grommash. — Isso não pode ser! 

Os elementos ecoaram suas emoções. Não. Pode. Ser. A mácula demoníaca também os deixaria perto da extinção. Todos sofreriam juntos. 
Isso não pode ser. Nunca. Grommash sentiu a convicção em seus ossos. Convicção e raiva. Meu clã jamais descerá tão baixo. Qualquer coisa para evitar esse destino.
Qualquer preço.
A visão continuou. Um novo orc, criado por humanos, foi forçado a lutar para divertimento deles. Embora fosse forte, ele era humilhado e espancado constantemente. Ele recebeu o nome "Thrall", que em um antigo idioma bárbaro significava "escravo". Mas ele começou a sonhar com a fuga, e... 
— Seus tolos, tirem ele daí! 
A voz vinha de fora da visão. Grommash a ignorou. O que podia ser mais importante que isso? Ele observou enquanto a névoa mostrava o jovem orc aprendendo a ler e... 
— Isso matou o xamã! Nós temos que parar essa visão agora! 
O cabo de Uivo Sangrento entrou no seu campo de visão — no mundo real — e desceu com força. Grommash sentiu dor no pulso. Sua mão se abriu por reflexo e o pedaço de vidro que canalizara visões tão horríveis caiu ao chão. A névoa desapareceu. As visões e sons sumiram. 
Tinha acabado. 
Grommash caiu de joelhos, arquejando. 
— Chefe Grito Infernal! — O estranho estava ajoelhado ao seu lado. Ele segurava Uivo Sangrento. — Você está bem? 

Grommash recuperou a compostura aos poucos. Bem lentamente. Ele não olhou para cima até estar respirando compassadamente. O ar continuava a soprar em volta deles. Os elementos estavam ouriçados. 
Finalmente Grommash se ergueu. — Me dê isso — disse ele, estendendo a mão. — O estranho lhe entregou Uivo Sangrento. — Por que você interferiu? 
O estranho apontou para além do limite das pedras, na direção da árvore onde o xamã tinha ficado esperando. — A visão matou o ancião, Grito Infernal. Eu nunca imaginei que poderia ser tão perigosa. Fiquei com medo que fosse matar você também. 
— O coração dele não aguentou testemunhar o que eu vi. Grommash agarrou o estranho pela garganta e o arremessou de costas contra uma das pedras. No instante seguinte Uivo Sangrento estava encostado ao pescoço de Garrosh. — O que aconteceu depois? 
— O quê? — perguntou o estranho. 
— Eu vi escravidão e morte. Não pode acabar assim! — O fio de Uivo Sangrento encostou mais forte, quase rasgando a pele. — O que aconteceu comigo? O que aconteceu como meu clã? 
— Você lutou até o fim, Grito Infernal. Você e os outros. — Aquilo soava como se o estranho estivesse admitindo algo a contragosto. — Mas foi tarde demais. Nossos corações e almas tinham sido arrancados. Agora você entende? O preço pelo poder de Gul'dan é... 
— Tudo — interrompeu Grommash. Sua voz estava rouca. Lentamente ele retirou Uivo Sangrento. — Vai nos custar tudo. 
— Sim. Mas você viu outra coisa, Grito Infernal. 
Os olhos de Grommash pareciam assombrados. — O quê? 

— Você viu o poder da união — disse o estranho, serenamente. — Todos os orcs marchando sob o mesmo estandarte. Imagine isso, mas sem mestres. Sem corrupção. Imagine. Uma Horda liderada pelo Brado Guerreiro. Que limites haveria para nós? Que mundo poderia resistir a nós?" 
Grommash se virou. Sua mente ainda fervilhava. — Fraqueza. Eu achava que era forte, e isso me levaria à ruína. "Ah, Golka. Eu juro que vou ser forte como você. Se eu fracassar, será na batalha... Eu vou derramar oceanos de sangue para evitar o destino que o estranho me mostrou. Até meu próprio sangue, também. Eu juro.
— Sim, chefe Grito Infernal — respondeu o estranho. — Mas agora você sabe o que o aguarda. Há inimigos esperando para nos escravizar. Os mestres de Gul'dan. Aqueles no outro mundo. Quem além de você poderia enfrentar esse perigo? Quem além de você poderia ser o pai de todos os clãs? 
Ninguém. Ninguém mais. Apenas ele conhecia o horror do que o destino lhes reservava. Apenas ele faria tudo ao seu alcance para impedir aquilo. 
— Esse outro mundo nos conquistou. Eles são fortes. Nós temos que ser mais fortes. — Grommash sentiu a alma leve alçar-se no ar. "Eu vou ser mais forte." — Nós podemos até fracassar, estranho, mas vamos morrer lutando, não é? 
— Lok-tar ogar — disse o estranho. 
Os dois guardas do Brado Guerreiro repetiram baixinho: — Lok-tar ogar.
Grommash ergueu Uivo Sangrento até a altura dos olhos, inspecionando o próprio reflexo no metal polido. — Nós nunca seremos escravos. Não nesse mundo, nem em nenhum outro. — "Qualquer preço para evitar esse destino", ele pensou de novo. Grommash olhou para seu reflexo e depois para o estranho. — Você me lembra alguém. 
— Quem? 

"Dela", pensou Grommash, sem falar. Era impossível. Mas ele não tinha visto o impossível com seus próprios olhos? — Não é nada. Quanto tempo nós temos, estranho?
— Meses. Depois disso, eu não sei. 
— Gul'dan não pode saber disso. Quero ele no escuro até o dia chegar. — Ele se voltou para os dois guardas. — Voltem para o acampamento. Digam para nossos batedores se prepararem rápido. Vamos precisar enviar mensagens a todos os outros clãs em segredo. Vão! 
Eles não hesitaram. Grommash e o estranho observaram enquanto eles corriam, afastando-se. 
— Precisamos avisá-los para nem sequer considerarem chegar perto do novo poder de Gul'dan — grunhiu Grommash. — Isso não vai ser fácil. 
— De fato. 
Grommash considerou o estranho por um bom tempo. Então perguntou: — Você vai lutar ao lado do Brado Guerreiro? 
— Até a morte. 
— Foi o que eu pensei — o chefe do clã respondeu. — Seu coração é mesmo do Brado Guerreiro. Fique ao meu lado. Nós temos uma longa estrada pela frente. 
Os olhos do estranho brilharam. 
— Eu vou gostar de cada passo — disse ele.

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