Além
da proa da robusta embarcação tol'vir, estendia-se o mar azul sem fim. O Sol da
tarde deixava um rastro brilhante na superfície da água, refulgindo como uma
joia. Li Li inclinava-se na direção do vento, e o cheiro salino fazia com que
ela se lembrasse dos dias cálidos nas praias de Shen-zin Su. Chen estava
sentada à popa, repousando uma das mãos sobre o leme. Desde que deixaram Uldum,
tinham traçado um curso para o sudeste.
Li Li
voltou-se para o tio.
—
Você não está empolgado? Finalmente estamos a caminho! Até a pérola está
cooperando. Eu verifiquei três vezes, e ela sempre me mostra navegando.
Ela
riu e deu um soquinho no ar.
—
Próxima parada: Pandária!
Nenhum
deles queria arruinar o bom humor, de forma que ambos preferiram não lembrar
que a pérola ainda não mostrara como poderiam penetrar a névoa que cobria o
lendário lar do seu povo. Seria melhor se preocupar com aquilo quando chegasse
a hora.
Li Li
assumiu o primeiro turno de vigília quando a noite caiu. A noite estava clara
feito cristal e as estrelas eram pontos brilhantes contra o céu de veludo. As
luas gêmeas de Azeroth brilhavam fantasmagoricamente, flutuando sobre o
horizonte leste. Li Li encolheu as pernas e pôs um cobertor sobre os ombros
para se proteger do frio ar marinho. Suas pálpebras ficaram pesadas e ela
sentiu-se embalada pelo balançar sereno do barco e pelo som da água batendo no
casco. Decidiu que não havia por que lutar contra o cansaço e fechou os olhos
para dormir.
O
impacto súbito de ser arremessada de cara no chão a acordou violentamente.
Atordoada, Li Li ficou onde caíra, toda entortada.
Chen
a sacudiu.
— Li
Li, levante-se!
O
barco chacoalhou outra vez, e ele caiu de joelhos.
— Uma
tempestade se aproxima — disse Chen. — É melhor recolher as velas. Eu já prendi
nossas coisas. — Na escuridão, Li Li não via sua expressão, mas a voz de Chen
tinha um tom ansioso. Embora o barco Ramkahen fosse bem construído, seu tamanho
reduzido o tornava bastante frágil em meio a uma tempestade em mar aberto.
O
barco balançou forte outra vez. As ondas tinham crescido a ponto de ficarem
perigosas. Li Li fez uma careta e se levantou. A sudoeste, ela via as nuvens
encobrindo as estrelas, e clarões ocasionais de relâmpago iluminavam a
superfície do oceano.
— Ok.
Vamos.
A
tempestade chegou com ventos fortes e uivantes, soprando borrifos de chuva
gelada. As ondas crescidas se encapelaram ao redor dos pandarens, ameaçando
engolir o barco. Chen e Li Li deram tudo de si para guiar a embarcação tol'vir
pelos recessos paralelos às ondas, percorrendo um traiçoeiro curso com
obstáculos.
Um
raio estalou no céu, explodindo na água ao lado do barco e errando o mastro por
pura sorte. O ribombar do trovão era como o bombardeio de canhões. Li Li se
arrepiou. Aquela passou perto.
O
barco sacudiu. Li Li e Chen calcularam mal o curso e atingiram a base de uma
onda. O barco se inclinou em um ângulo agudo como um carrinho em uma curva.
Chen se agarrou à corda mais próxima, segurando-se com força enquanto seus pés
deslizavam no convés de madeira lisa. Atrás dele, Li Li gritou. Chen sentiu o
coração subir à garganta.
— Li
Li! — rugiu ele, lutando para se firmar. Ela também se segurava
desesperadamente a um cabo, e Chen orou para que a pandarena não escorregasse.
Ele não podia soltar a própria corda até que o barco estabilizasse. A onda
sacudiu por instantes sem fim, e a pequena embarcação tol'vir chegou perto de
adernar várias vezes.
Por
fim, a crista da onda ficou para trás e a embarcação começou a se estabilizar.
Quando o convés ficou na horizontal, Chen firmou o pé e voltou-se para ajudar a
sobrinha. Li Li se esticou na direção dele, mas o barco sacudiu e a atirou
contra a amurada. Chen gritou o nome dela e estendeu o braço o mais que pôde.
— Li
Li!
Era
tarde demais, e não havia nada que ele pudesse fazer. Os olhos dela se
apagaram, ela perdeu a consciência e a corda escorregou de entre seus dedos. Li
Li caiu na água.
— Li
Li!" — Chen gritou uma terceira vez, mas as ondas estalaram entre sua
sobrinha e o barco, e, quando a água acalmou-se, já não podia vê-la.
* * *
Em
Shen-zin Su, o céu não dava sinais de tempo ruim. O Sol se escondera atrás do
horizonte, e os últimos vestígios de luz evanesciam no céu azul escuro. No
centro da ilha, à entrada da grande Biblioteca, Chon Po se postava, segurando
duas folhas de papel.
A
biblioteca era o local favorita de sua filha. Enfiada entre as pilhas de livros
e cartas, Li Li lia por horas, devorando todas as informações que podia
encontrar. Aquele hábito fizera dela uma sonhadora e tinha-lhe incutido ideias
grandiosas na cabeça, mas também lhe dera propósito e garra.
— Não
se preocupe, Po. — Mei colocou a pata em seu braço e sorriu de forma encorajadora.
— Pode mandá-las.
As
cartas de Chen e Li Li tinham chegado no dia anterior voando numa corrente de
magia (um antigo truque pandaren cujas origens tinham-se perdido no tempo).
Chon Po ficara acordado a noite inteira, escrevendo a resposta.
Po
deu um grande suspiro e assentiu. Com bastante cuidado, dobrou os papéis na
forma do pássaro — decidiu-se por um grande albatroz — que iria carregar as
mensagens pelo oceano. Ao terminar, segurou o pássaro e soprou nele
gentilmente, espalhando sobre as folhas uma pitada do mesmo pó encantado que Li
Li sempre carregava. Em meio a uma explosão de cor, o pássaro de papel bateu as
asas e alçou voo. Foi difícil deixá-lo partir.
Chon
Po ficou olhando até que o pássaro sumisse no céu azul, esperando que as cartas
encontrassem a filha e o irmão em segurança.
* * *
O mar
tornara-se uma criatura viva, uma força com vontade própria. As ondas se
encrespavam ao redor de Li Li como dedos, fazendo-a girar. Era uma boa nadadora
e tentava resistir, buscando ar quando subia à superfície, debatendo-se,
tentando flutuar. Mas a corrente a arrastou. Ela lutou mais, e o ciclo se
repetiu. Não demorou muito para que começasse a se cansar.
Seus
músculos ardiam. Os membros estavam pesados. Quando a torrente de energia
inicial que lhe impulsionara os movimentos começou a diminuir, sua determinação
começou a dar lugar ao pânico.
Eu
vou morrer afogada.
A
compreensão a atingiu com a força das ondas que Li Li combatia. Chen se fora;
quem sabe quão longe ela já não estava do barco? A terra firme estava a dias de
distância. A tempestade era inexorável, imune à razão ou à força.
O
instinto a compeliu a buscar a superfície, a lutar pela sobrevivência, mesmo
que ela soubesse em seu íntimo que não havia mais nada a fazer. O desespero a
inundou, salgado e amargo como o próprio oceano.
Então
foi assim, não foi, mamãe?
Os
olhos de Li Li ardiam com a água salgada e as lágrimas. Tentava se obrigar a
ser valente, a aceitar seu destino, mas o terror não a largava.
Mamãe!
Pensou, incapaz de gritar. Mamãe,
Mamãe!
O
oceano a cuspiu, e ela flutuou na crista de uma onda. Li Li arquejou outra vez,
agarrando-se a cada precioso segundo enquanto a onda começava a se desmanchar.
Pelo canto do olho, viu algo diferente do resto da água: uma forma escura e
sólida. Virou a cabeça, tentando ver, e bateu em algo duro e ainda mais
irresoluto que o mar. Sua cabeça chocou-se violentamente contra o objeto, e ela
perdeu a consciência.
* * *
—…
Nunca vi um desses. Eu lembraria.
— Eu
vi uma vez, no vale Gris, há muitos anos.
— Ela
pode ser uma espiã da Horda.
—
Acho que é possível.
Li Li
tentou abrir os olhos, mas eles pareciam ter sido colados. Tentou rolar para o
lado, mas seu corpo inteiro protestou de dor. Gemendo, reclinou-se novamente
entre os cobertores e travesseiros.
De
alguma forma, percebeu que estava viva.
Abriu
os olhos. Houve uma explosão dolorosa de cor, e ela fechou-os outra vez.
—
Atropa, ela acordou, por Eluna! O capitão...
— Já
vai — respondeu a outra voz.
Li Li
piscou, hesitante, e encarou um saudável rosto de cor roxa emoldurado por
cabelos violeta-escuro à altura dos ombros. Os olhos da mulher não tinham
pupila e brilhavam com uma suave luz prateada. Uma elfa noturna.
— Céus,
nós achamos que você ainda ia dormir por horas — disse a elfa noturna. — Deve
haver água em algum lugar por aqui.
O
rosto desapareceu. Li Li passou a mão atrás da cabeça e tocou um ponto
dolorido, sentindo a textura áspera das bandagens de algodão. Mesmo aquela
pouca pressão fez com que agulhas de dor picassem seu crânio. Ela piscou e
retirou a pata.
—
Pronto, deixe eu ajudar você — disse a elfa noturna, passando um braço esguio
pela cintura de Li Li. Ela ajeitou os travesseiros atrás da jovem pandarena e
lhe deu um copo de água. Li Li bebeu em um só gole, sentindo-se grata, e
estendeu a mão pedindo mais. Quando se sentiu satisfeita, olhou de um lado para
o outro, com cuidado para não sentir a dor no pescoço.
—
Onde eu estou?
—
Você está a bordo do navio Elwynn, da Aliança. Você é muito sortuda. — A elfa
sacudiu a cabeça. — Eu estava de vigia e vi você bater no casco durante a
tempestade. Um xamã pediu a um elemental da água para erguer você até nós.
Li Li
se recostou contra o travesseiro, sentindo o coração palpitar.
— Eu
não estou morta.
— Por
sorte, não — respondeu a elfa. — Qual o seu nome?
— Eu
me chamo Li Li Malte do Trovão. Quem é você?
— Meu
nome é Lintharel. Eu sou uma druidesa, uma kaldorei a serviço da Aliança.
A
porta da cabine se abriu, e um humano grisalho entrou, seguido por outra elfa
noturna. Ela era quase idêntica a Lintharel, e inclusive tinhas as mesmas
tatuagens roxas em forma de gotas de chuva no rosto. Eram irmãs, claramente.
— Eu
sou Marco Heller, o capitão deste navio — declarou o homem, assim que passou
pelo umbral da porta. — Tenho algumas perguntas a fazer.
— Já?
— perguntou Lintharel, franzindo o cenho. — Eu pensei que você só quisesse
saber se ela tinha acordado. Ela ainda está ferida!
— Por
que você não vai lá fora e pega mais algumas bandagens, então? — perguntou o
capitão Heller, embora o pedido tivesse o tom de uma ordem. — Acompanhe-a, se
quiser, Atropa.
— Eu
não vou a lugar algum. — respondeu Atropa, cruzando os braços. Lintharel lançou
um olhar frustrado na direção do capitão antes de sair. Li Li ouviu seus passos
ecoando pelo corredor enquanto a elfa se afastava.
O
capitão puxou uma cadeira para perto da cama de Li Li e sentou-se, observando a
pandarena com atenção. Depois de um instante de silêncio, começou a fazer
várias perguntas.
—
Quem é você? De onde você é? O que você está fazendo nessas águas?
— Eu
me chamo Li Li Malte do Trovão. Sou uma pandarena da Ilha Errante. Eu estava
velejando com meu tio quando a tempestade nos atingiu. Eu caí na água! — As
perguntas davam nos nervos de Li Li. — O que está acontecendo aqui?
Os
olhos do capitão Heller brilhavam perigosamente.
—
Estou me perguntando se você é uma espiã da Horda.
— O
quê? — A acusação ofendeu Li Li. — Isso é ridículo! Meu tio e eu somos amigos
do rei Magni Barbabronze! Você comeu um baiacu ou alguma coisa que encheu sua
cabeça de ar quente?
O
capitão Heller franziu o cenho, mas não disse nada.
Li Li
continuou:
— Se
eu fosse uma espiã da Horda, eu não teria tentado abordar seu navio me jogando
no oceano no meio da tempestade, rezando para acabar trombando com vocês. Isso
é muito estúpido.
— Nem
mesmo se vocês já estivessem navegando por dois dias consideravelmente perto de
nós?
—
Eu... o quê? — Li Li piscou, surpresa. — Tem um navio da Horda também?
O
capitão ignorou a pergunta de Li Li. Ele se voltou para Atropa, que parecia ter
derretido no canto da sala.
—
Qual sua opinião? — perguntou ele.
— Eu
acho que ela está dizendo a verdade — respondeu Atropa, e seus olhos brilhantes
se estreitaram. — Ela realmente não sabe de nada.
— Ah,
obrigada! — respondeu Li Li. — Que gentileza sua, dona.
— Eu
concordo com você, Atropa — respondeu o capitão, levantando-se. Ele olhou para
Li Li.
—
Você é uma convidada neste navio, por obra e graça minha e dos povos da
Aliança. Se precisarmos, você será requisitada a lutar ao nosso lado. Você tem
alguma objeção?
— Eu
não tenho medo de lutar — respondeu Li Li, encarando o capitão de forma
desafiadora.
—
Ótimo. — O capitão Heller saiu sem dizer mais nada, e Atropa o seguiu.
Li Li
se reclinou na cama, exausta. Sentia saudades de Chen e esperava que ele
tivesse saído ileso da tempestade. Mas mesmo que ele tivesse conseguido, devia
achar que ela estava morta. O coração de Li Li doeu. Desejou que houvesse um
modo de mandar-lhe uma mensagem, mas sua bolsinha com pó mágico tinha ficado no
barco tol'vir. Não havia nada que ela pudesse fazer no momento, então fechou os
olhos e procurou dormir.
* * *
A
tempestade deixara atrás de si um dia claro de brisa suave, e o oceano ao redor
do barco estava sereno. Chen não conseguia apreciar nada daquilo. Li Li tinha
sumido, sem deixar rastros. A única coisa que o lembrava da existência dela
eram seus pertences, guardados no compartimento sob o convés. Ele sentia um
buraco no peito.
Ele
ficou sentado, olhando ao longe, sem ver nada. Em seu colo, segurava a pérola,
a primeira coisa pela qual procurara depois da tempestade. Tudo o que ela lhe
mostrava eram os últimos momentos de Li Li, passando em repetição infinita. Ele
não aguentava mais olhar.
A
exaustão acabaria com Chen mais cedo ou mais tarde se ele não descansasse, mas,
ao fechar os olhos, a visão de Li Li sendo atirada ao mar só se intensificava.
Em seus ouvidos ecoava a memória de sua voz gritando impotente, como se ele
pudesse barganhar com o oceano o retorno da sobrinha.
Foi
essa melancolia incomum que permitiu que a belonave se aproximasse às suas
costas despercebida, até que o marulhar da água ficou alto demais para que ele
o ignorasse. Chen se voltou para ver. Em qualquer outra ocasião já estaria de
pé, pronto para negociar ou lutar. Mas já não se importava. Nada mais tinha
importância.
O
navio cresceu ao se aproximar. Chen vislumbrou as velas vermelhas com marcas
negras sobre o convés e escondeu a pérola rapidamente em sua capanga.
—
Atenção! — Uma voz ecoou pela água. — Ao passageiro no barco não identificado:
sua presença aqui não era esperada. Prepare-se para ser detido e interrogado
pela Horda!
* * *
Chen
estava sentado numa cabine diante do capitão do navio, um orc robusto chamado
Aldrek. Ele cruzou os braços verdes cheios de cicatrizes e olhou com atenção
para Chen.
— O
que você está fazendo nessas águas? Marinheiros solitários não se aventuram por
aqui — bradou o orc.
Chen
esfregou o rosto, cansado. Não tinha energia para aturar um interrogatório. Só
queria acabar com aquilo rápido.
— Meu
nome é Chen Malte do Trovão. Sou um pandaren da Ilha Errante. Eu estava
velejando com minha sobrinha quando fomos pegos pela tempestade da noite
passada, que nos tirou do curso. Minha... — Chen sentiu um nó na garganta e
lutou para controlar a voz. — Minha sobrinha caiu no mar.
O
capitão não respondeu.
— Eu
sei por que você está me interrogando. Eu não sou um espião da Aliança. Eu
lutei ao lado de Thrall, Cairne e Vol'Jin contra o grão-almirante Proudmore há
muitos anos. Se alguém a bordo participou dessa batalha, com certeza irá
confirmar o que digo.
—
Karrig, um dos nossos xamãs, lutou em Theramore — disse Aldrek. Ele acenou para
um dos guardas. — Vá trazê-lo aqui para ouvirmos o que ele tem a dizer.
Aldrek
encarou Chen por mais algum tempo antes de falar novamente.
— Uma
coisa eu sei: se você for um espião, você fez um excelente trabalho se
disfarçando de marinheiro cansado quase enlouquecendo de exaustão. — Abriu um
largo sorriso, exibindo as presas impressionantes.
O
guarda retornou, acompanhado de um orc encurvado de meia-idade, cujo longo
cabelo negro estava armado num coque trançado.
— Ah,
Karrig! — Aldrek bateu as palmas das mãos. — Este indivíduo diz ter lutado em
Theramore contra o grão-almirante Proudmore. Você o reconhece?
—
Tinha um pandaren lutando ao nosso lado lá. Chamado Malte do Povão ou algo
assim.
—
Trovão. Malte do Trovão — corrigiu Chen. Ele olhou para o capitão Aldrek, que
gargalhou.
—
Parece que você se livrou dessa — disse o capitão. — A Horda tem uma dívida de
gratidão com você! — Aldrek estalou os dedos para o guarda.
— Vá
buscar Nita — ordenou. Voltando-se para Chen, acrescentou:
— Ela
é uma druidesa. Uma taurena enorme assim. Ela o deixará pronto para outra
rapidinho. Bem-vindo a bordo do Punho do Chefe Guerreiro! — Aldrek bateu
nas costas de Chen, mas o pandaren mal deu sinal de ter sentido. Ele só
conseguia pensar em Li Li, e seu corpo inteiro parecia anestesiado.
* * *
Quando
se sentiu bem o suficiente para caminhar, Li Li começou a perguntar a todos a
bordo do navio da Aliança Elwynn se eles tinham visto o barco tol'vir.
Ninguém tinha. Desanimada, inclinou-se na amurada do convés e viu a grande
belonave da Horda velejando à frente deles, a estibordo. Ela se perguntou se
haveria alguma maneira de fazer contato com a embarcação, para verificar se
alguém havia visto Chen, embora tentar comunicar-se com a Horda fosse talvez
confirmar as suspeitas iniciais do capitão Heller de que ela era uma espiã. Li
Li franziu o cenho. A menos que ela e Chen tivessem ido parar bem longe do
curso inicial, os navios estavam nas águas costeiras de Tanaris, que eram
neutras. A Horda e a Aliança deveriam poder navegar por ali sem incidentes. Por
que o capitão estava tão nervoso?
Li Li
se esforçou para bolar um plano que lhe permitisse mandar uma mensagem até o
navio da Horda sem ser arremessada ao mar. Como não teve nenhuma ideia
brilhante, acabou desistindo e descendo sob o convés, onde encontrou alguns
membros da tripulação ao redor de uma mesa, jogando cartas. Entre eles,
reconheceu as elfas noturnas Lintharel e Atropa. Li Li puxou uma cadeira e
sentou-se ao lado delas.
— Eu
quero cartas — anunciou Li Li. Atropa a olhou de esguelha, mas Lintharel riu e
obedeceu.
— É
mais fácil aprender jogando — disse ela. Acenou para os outros jogadores, um
par de anões. — Essa é Li Li, a passageira inesperada que pegamos na noite
passada.
— Ah,
a não espiã! — exclamou uma anã, sorrindo. — Eu sou Trialin, e esse é meu
irmão, Baenan.
—
Irmão mais velho! — emendou Baenan. — E o paladino da Luz mais
importante do navio, a seu dispor! — Ele estufou o peito com orgulho.
— Ah,
para com isso, seu marrento — disse Trialin, revirando os olhos.
—
Então eu estou na mesa dos irmãos — brincou Li Li — sem meu irmão aqui. E dessa
vez ele seria bem útil, até… — Ela sentiu uma pontada aguda de dor ao pensar em
Shisai. E se perguntou como ele estaria, em casa, em Shen-zin Su.
Será
que ele sente a minha falta?
— Não
é uma mesa de irmãos — corrigiu Lintharel, sorrindo. E, fazendo um gesto para
si mesma e para Atropa, disse:
— Nós
não somos irmãs.
— Ah.
— Aquilo surpreendeu Li Li.
— Mas
elas se parecem mesmo — disse Trialin à pandarena. — Quase todo mundo comete
esse erro.
—
Tharel é toda a família que eu tenho agora — respondeu Atropa. O sorriso de
Lintharel tornou-se melancólico.
— E
jogar que é bom, cadê? — Baenan esmurrou a mesa, o que despertou as kaldorei de
sua melancolia. Li Li olhou disfarçadamente para as cartas, fingindo saber o
que fazia. Lintharel explicou as regras enquanto jogavam, e, embora Li Li não
fosse muito boa, depois de algumas rodadas ela já não estava perdendo o tempo
todo.
— Mas
então... — disse Li Li, tentando soar inocente. — O que há com esse tal navio
da Horda? Eu pensei que as águas perto de Tanaris fossem neutras. Por que está
todo mundo preocupado com ele?
Os
companheiros de Li Li se entreolharam e ela notou que fizera uma pergunta
perigosa. Esperara mencionar a possibilidade de contatar o navio da Horda para
obter informações sobre Chen. Era evidente que fora uma má ideia. Por fim,
Atropa rompeu o silêncio.
—
Tecnicamente, você está certa — disse, descartando.
— Mas…?
— insistiu Li Li.
— Mas
acontecimentos recentes nos deram motivo para suspeitar de qualquer presença
da Horda fora do território deles — respondeu Atropa.
—
Eles estão perto demais de Theramore — murmurou Baenan. — Se eles querem ficar
em paz, é melhor que voltem para o lugar de onde vieram. Nenhum deles é digno
de confiança.
— Eu
trabalhei ao lado de muitos membros da Horda no Monte Hyjal — disse Lintharel,
baixinho. — O arquidruida Hamuul Runa Totem é um tauren, e um dos maiores
líderes do Círculo Cenariano. Não dá para julgar um povo inteiro pelas ações de
algumas pessoas.
Baenan
sacudiu a cabeça.
—
Mocinha, eu queria concordar com você. Os druidas do Círculo Cenariano podem
ser exceção, assim como os xamãs da Harmonia Telúrica. Mas olhe só pra você
mesma: você voltou de Hyjal para continuar servindo à Aliança. E seus amigos da
Horda fizeram o mesmo lá. Eles são seus inimigos agora, e você é inimiga deles.
As
mãos de Lintharel apertaram as cartas.
— Eu
sirvo à Aliança porque essa é a vontade da alta-sacerdotisa Tyrande e do
arquidruida Malfurion, e eu sou leal a eles. — Franziu o cenho. — Mas a divisão
entre a Horda e a Aliança é falsa.
— A
divisão pode até ser falsa, mas as armas deles são de verdade! — replicou
Baenan. — O chefe guerreiro Grito Infernal não quer a paz. Olhe para o seu lar
no Vale Gris! Ele é uma ameaça, e seus amigos druidas são cúmplices do governo
dele. — Ele bateu com as cartas na mesa: tinha vencido a rodada. — Nada que
seja da Horda é digno de confiança, e você tem que aceitar isso.
* * *
A luz
vinda da escotilha da enfermaria informou a Chen que já era o final da manhã.
Ele se sentia fisicamente restaurado, mas seu espírito ainda estava exaurido.
Perdera muitas pessoas queridas ao longo dos anos. Algumas perdas doíam mais
que outras.
Chen
sempre considerara Li Li a filha que jamais tivera, o único membro da família
que se parecia com ele. Ele apertou os olhos com a palma das patas, e as
lágrimas deixaram rastros molhados no pelo do seu rosto.
—
Céus, será que já não tem água salgada demais no mar? Você ainda tem que fazer
mais?
Chen
se ergueu de súbito. Um elfo sangrento de aparência entediada estava encostado
na parede da enfermaria, com os braços cruzados.
—
Veja só a que ponto eu cheguei — lamentou o elfo. — Servindo de babá para os
pacientes.
A ira
era um bom escape para a tristeza. A onda de raiva que o dominou empurrou Chen
para fora da cama, em direção ao elfo. Ele tinha bastante experiência com
intimidação.
— Eu
tomaria cuidado com a língua se fosse você — rosnou. — Duvido que você já tenha
lutado com alguém do meu povo, e você não vai querer isso.
Antes
que o elfo tivesse chance de responder, alguém entrou na sala. Era Karrig, o
xamã. Ele bateu fortemente no chão com o grande cajado que carregava.
—
Talithar! — gritou. — Você não consegue passar uma hora sem arranjar encrenca.
Saia daqui, elfo safado!
O
elfo lançou um olhar de puro desprezo a Karrig, mas não disse nada e deixou a
enfermaria, erguendo o belo queixo.
—
Cretininho delicado — murmurou Karrig. — Um herói da Horda como você deve ser
tratado com respeito! — Sorriu generosamente para Chen. — É uma honra tê-lo a
bordo. — Ahm, obrigado — respondeu Chen,
sentindo-se um pouco desconfortável por ter sido chamado de herói. Suas
lembranças sobre o período em Theramore pintavam um quadro mais complexo.
— Eu
vim buscar você — disse Karrig. — O capitão Aldrek quer uma palavrinha.
Chen
assentiu e o seguiu até os aposentos do capitão, onde Aldrek estava sentado na
ponta de uma escrivaninha grosseira, com os dedos entrelaçados.
—
Karrig falou bastante sobre suas aventuras em Theramore — disse Aldrek. — Tenho
certeza de que termos encontrado você é um sinal dos espíritos.
— Por
quê? — perguntou Chen. Alguma coisa no tom de Aldrek o deixava inquieto.
—
Porque eu acho que você pode ajudar nossa causa — respondeu o capitão orc. —
Assim que nos livrarmos do navio da Aliança que está nos seguindo...
— Não
sei o que eu posso fazer a respeito, capitão — disse Chen educadamente. Aldrek
pareceu surpreso.
— Ah,
não! Não, não se preocupe com eles. Nós decidimos estabelecer comunicação com
eles por agora. — Ele fez um gesto despreocupado com a mão. — Eu tenho planos
de longo prazo para você.
—
Perdão?
Aldrek
se inclinou na direção de Chen.
—
Sabe, nossa missão aqui é de reconhecimento, mas...
—
Reconhecimento do quê, exatamente? — interrompeu Chen. Aldrek e Karrig
sorriram.
—
Isso eu não posso informar. Não ainda. Mas, já que você foi soldado da Horda na
primeira batalha de Theramore, imagino que ficaria honrado em lutar numa segunda
batalha também.
Aldrek
se reclinou e esperou para ver o efeito que a declaração teria. Chen lutou para
manter a expressão neutra.
—
Isso... isso seria uma experiência e tanto. É isso o que você está planejando?
Aldrek
bateu do lado do nariz e sorriu matreiramente.
—
Não. Nós só estamos fazendo o reconhecimento, não é?
—
Certo — respondeu Chen, lembrando-se de piscar para o capitão. — Só... trabalho
de batedor.
Aldrek
assentiu. — De batedor, é. Nós queremos que o navio da Aliança entenda isso.
—
Como você sabe — interrompeu Karrig —, a aquisição de recursos tem sido muito
difícil desde que a Horda chegou em Kalimdor. Não é fácil manter uma cidade
grande no meio do deserto.
— Eu
conheço alguns dos problemas de Orgrimmar — disse Chen.
—
Então você compreende a nossa obrigação! — Aldrek bateu com o punho na palma da
mão. — Precisamos obter recursos adequados para nossas famílias, para nossos
filhos. Orgrimmar não pode correr riscos.
Chen
decidiu ficar calado. O que Aldrek e Karrig estavam dizendo era inquietante,
assim como o brilho fervoroso no olhar deles quando falavam de Orgrimmar e seu
futuro.
Interpretando
seu silêncio como consentimento, o capitão Aldrek relaxou na cadeira.
— Eu
estou muito honrado de ter você a bordo do navio, Chen Malte do Trovão. Tenho
certeza de que você será um aliado valioso para a Horda. Você tem minha
permissão para circular livremente pelo navio. Dispensado.
—
Obrigado, capitão — disse Chen, saudando-o.
* * *
Chen
foi até a cozinha, em busca de uma bebida forte e de comida quente. Tinha quase
certeza de que Aldrek e Karrig haviam revelado as intenções da Horda de invadir
Theramore. Ele não queria pensar naquilo. Pelo menos a comida do navio era
decente.
Alguém
se juntou a Chen à mesa, sentando-se no banco à sua frente. Era Nita, a taurena
que cuidara dele na noite anterior. Ela sorriu; tranças grossas emolduravam-lhe
o rosto bondoso. Dobrou os dedos grossos à sua frente na mesa.
—
Como você está se sentindo hoje, Chen Malte do trovão? — perguntou.
—
Muito bem, graças à sua perícia. Você é uma druida muito talentosa.
Ela
sorriu para ele.
—
Obrigada. Sinto muito por não ter estado na enfermaria pela manhã. Infelizmente
eu tinha outros deveres para cumprir. Talithar mandou você para cá para
almoçar?
—
Ahn, não. Ele não foi tão educado assim, na verdade.
Nita
pareceu embaraçada.
—
Peço desculpas por ele — disse. — Ele é um dos magos no navio... é uma alma
atormentada. Virou inimigo da maior parte da tripulação. — Suspirou
profundamente. — Eu pedi que ele ajudasse você porque pensei que interagir com
alguém de fora do navio fosse ajudá-lo. Acho que eu estava errada.
— Não
é sua culpa se ele não sabe se comportar. Mas é muito gentil da sua parte se
preocupar com ele.
— É
meu dever me preocupar com os outros — disse ela, sorrindo outra vez. —
Primeiro por ser uma curandeira, depois porque somos todos filhos da Mãe Terra.
Nós somos mais fortes juntos que divididos. — Fez uma pausa e franziu o cenho.
— Acho que nosso capitão se esquece disso às vezes.
* * *
A
bordo do Elwynn, o capitão Heller convocara uma reunião geral no convés.
Ele encarou a tripulação reunida do topo da ponte.
—
Como muitos de vocês sabem — anunciou —, eu venho mantendo contato com o líder
do navio da Horda.
O
coração de Li Li acelerou. Se Heller estava falando com o navio da Horda, ela
poderia perguntar sobre Chen.
— A
presença deles aqui é preocupante — continuou o capitão — e não podemos
deixá-los sem supervisão. Para minha surpresa, eles disseram que compreendem a
situação e que querem trabalhar conosco para chegarmos a uma solução pacífica.
A
multidão murmurou, espantada.
— O
capitão deles concordou em enviar um mensageiro para nós, com a condição de que
nós enviemos um para eles também. Eu apoio essa decisão e, por isso, preciso de
um voluntário. Essa pessoa precisa ser valente e estar disposta a falar em nome
da Aliança. Desnecessário dizer que pode ser perigoso. Ainda assim, se pudermos
convencê-los a voltar para Durotar, será uma grande vitória para a a Aliança!
Quem servirá nossa causa?
Algumas
mãos se ergueram entre gritos entusiasmados, mas apenas um vulto se adiantou
corajosamente, subindo até a metade dos degraus onde o capitão estava,
postando-se ali ereto do alto do seu metro e meio de altura. Era Baenan, o
anão. Li Li ouviu Lintharel respirar fundo ao seu lado.
— Eu
irei! Como paladino da Luz, eu ofereço com prazer meus serviços à Aliança!
O
capitão Heller assentiu.
—
Muito bem. Eu irei informá-los de que já temos um mensageiro e providenciarei a
troca.
O
capitão sinalizou para um mago draenei postado ao seu lado, que disparou setas
mágicas para o alto, desenhando runas numa cascata de luz. Após um longo
instante, Li Li viu a mesma demonstração de magia no convés do navio da Horda.
— A
troca será efetuada em meia hora! — declarou o capitão Heller. Ele se voltou
para Baenan.
—
Venha comigo. Eu lhe darei instruções.
Baenan
bateu continência com força. Li Li abriu caminho pela multidão. Ao vê-la,
Heller fez uma pausa.
—
Sim? — perguntou, ríspido.
—
Ahn, eu tenho uma pergunta, senhor — disse Li Li, com toda a polidez possível.
— Eu estou tentando descobrir se alguém viu meu tio desde a tempestade. Eu
queria saber se o navio da Horda mencionou alguma coisa sobre outro pandaren.
Ou sobre algum barco pequeno que eles possam ter avistado.
O
capitão Heller estreitou os olhos, mas Li Li manteve-se impassível. O pedido
era completamente inocente.
—
Isso não foi mencionado em nenhuma mensagem — respondeu por fim o capitão —,
mas você pode fazer essa pergunta ao diplomata da Horda, quando ele chegar.
—
Obrigada, capitão. — Ela acenou para Baenan. — Boa sorte — disse-lhe. Ele
assentiu com uma expressão determinada e afastou-se, acompanhando Heller. Os
dois desapareceram sob o convés junto com alguns guardas.
O
resto da tripulação começou a se dispersar, e Li Li viu Trialin ali perto. A
anã ergueu a cabeça, com orgulho do irmão, mas a face estava pálida. Lintharel
estava ao lado de Li Li, o rosto tenso, rilhando os dentes. A druidesa fitou o
céu e depois fechou os etéreos olhos prateados.
—
Você sente a mudança no ar? — perguntou ela. — Haverá outra tempestade esta
noite.
* * *
—
Você tem certeza de que quer correr o risco? — Aldrek avaliava sua diplomata
voluntária, ninguém menos que a druidesa Nita.
— Eu
já trabalhei com membros da Aliança como parte do Círculo Cenariano. Isso deve
acalmá-los.
Pensativo,
Aldrek esfregou o queixo.
—
Ótimo. Você pode remar até lá?
Nita
podia assumir a forma de um pássaro e voar até o outro navio, mas a Aliança
enviaria um barco, e era melhor retribuir o gesto.
—
Posso.
Chen
fora alçado a um lugar de honra, perto de Karrig e do capitão Aldrek, e vira
Nita se oferecer como mensageira. Pensou nas palavras dela: Somos todos
filhos da Mãe Terra. Não havia melhor candidata para a tarefa de diminuir a
tensão entre os navios.
Enquanto
Nita preparava o barco, Aldrek manobrava a grande nau na direção do navio da
Aliança. Para que os mensageiros atravessassem com facilidade, ambas as
embarcações precisavam estar bem próximas — à distância de tiro. Chen se mexia
inquieto e tentava não ser pessimista, mas não podia esquecer o que Aldrek
insinuara sobre Theramore. O que a Horda estaria planejando? O quanto a Aliança
sabia? Teriam eles todos se encontrado por acaso no oceano, ou será que a
Aliança os tinha rastreado e encontrado? Ou será que a Horda é quem os tinha
atraído?
O Punho
do Chefe Guerreiro parou ao lado do Elwynn. Dois marinheiros
ajudaram Nita a descer o barco, e ela partiu. Os remos batiam ritmadamente na
água, subindo e descendo cada vez que ela os puxava.
* * *
Os
mensageiros passaram um pelo outro a meio caminho entre os navios. Baenan deu
uma olhada para a taurena de ombros largos ao passar por ela, notando pela
roupa tratar-se de uma druidesa. Sentiu-se melhor. Taurens costumavam ser mais
sensatos que orcs, e druidas frequentemente trabalhavam com as duas facções.
Talvez houvesse esperança para a missão.
Quando
chegou ao seu destino, marinheiros da Horda estavam prontos para recebê-lo.
Quando ergueram o barco da água, ele olhou de volta para o Elwynn, delineado
elegantemente em laranja e dourado no Sol do fim de tarde. Orou para a Luz para
retornar em segurança.
* * *
Li Li
esperava à frente da tripulação, determinada a ser uma das primeiras a
cumprimentar o diplomata, para poder perguntar pelo tio. Quando a grande
taurena subiu no convés, Li Li avançou ansiosamente.
—
Bem-vinda a bordo! — disse o capitão Heller, calorosamente, estendendo a mão.
Nita a apertou com respeito, e os marinheiros próximos fizeram um cumprimento
de cabeça.
—
Obrigada, capitão. Espero que possamos chegar a um acordo mutuamente benéfico.
— Ela observou a multidão e, ao ver Li Li, as sobrancelhas da taurena
demonstraram surpresa.
Li Li
não se pôde conter.
—
Você me reconheceu! — gritou. — Ahn, quer dizer, você reconheceu minha raça! Meu
tio Chen, você viu meu tio?
—
Sim, nós o pegamos no barco na manhã após a tempestade — Nita sorriu. — Ele
ficará muito feliz ao ver que você está salva.
—
Muito, muito obrigada — disse Li Li, quase engasgando de emoção. Não percebera
o quão preocupada estava até saber que Chen estava a salvo. Logo ela e o tio
estariam juntos novamente.
—
Venha por aqui. — O capitão Heller passou à frente de Li Li e apontou para os
aposentos do capitão. — Vamos discutir nossos objetivos e tentar um acordo.
Cortês,
Nita seguiu o capitão Heller. Seus cascos potentes estalavam no convés do
navio. Ao passarem por Li Li, o capitão lhe lançou um olhar severo. Li Li
observou os dois sumirem sob o convés e então lançou um olhar para o navio da
Horda, percebendo que o barco de Baenan já tinha sido erguido. As discussões
tinham começado.
* * *
Baenan
chegou a temer que todos nos aposentos do capitão estivessem ouvindo seu
coração palpitante. Controlando-se, examinou a sala lotada: muitos orcs,
trolls, um tauren, dois goblins (discutindo sobre quem iria ficar na mesa do
capitão) e um Renegado mofado e pútrido. E também um dos tais pandarens, notou
ele, surpreso — como a garota a bordo do Elwynn. Franziu o cenho. Ela
dissera estar viajando com o tio. Seria ele? Se sim, por que ele estava ali
junto com a Horda?
Baenan
olhou para o capitão Aldrek, que abriu a boca em um sorriso predatório.
—
Agora — começou o capitão, suavemente —, vamos discutir esse assunto como
pessoas razoáveis.
Baenan
engoliu em seco e, por fim conseguiu falar.
—
Como você sabe, estamos preocupados com a presença de navios de guerra da Horda
tão ao sul...
—
Essas águas são neutras — replicou Aldrek.
— É
verdade — treplicou Baenan —, mas vocês tiveram que passar por Theramore para
chegar aqui, o que...
—
Como você sabe que nós não viemos do acampamento Grom'gol na Selva do
Espinhaço? — interrompeu Aldrek.
—
Vocês vieram? — Baenan perguntou, ríspido.
Aquilo
surpreendeu Aldrek, e ele hesitou por tempo suficiente para tornar a resposta
óbvia. Seu sorriso endureceu. — Nós estamos aqui sob ordens do chefe guerreiro,
em reconhecimento — disse, e o tom de voz parecia um aviso.
—
Olhe aqui, eu sou um anão. Nós somos um povo que vai direto ao ponto. Vocês
dizem que estão fazendo reconhecimento. Pode até ser, mas nós não temos como
confirmar isso. Nós só queremos que nosso lar em Theramore fique em segurança.
Deixem-nos escoltar vocês até as águas em Durotar. Essa é a oferta do meu
capitão.
O
capitão Aldrek irrompeu numa gargalhada e o coração de Baenan se confrangeu.
— E
essa é justamente a oferta que eu rejeito — disse o orc. Ele estalou os dedos
para um guarda. — Esse anão é nosso prisioneiro.
O
primeiro instinto de Baenan foi lutar pela liberdade, mas aquela seria uma má
ideia, obviamente. Ele estava sozinho e tinha entregado as armas ao embarcar no
Punho do Chefe Guerreiro.
— Eu
sabia que vocês eram um bando de covardes mentirosos — murmurou, o que lhe
valeu um croque na cabeça de outro orc.
— E,
mesmo assim, você confiou em nós — disse Aldrek, com uma expressão de desprezo.
— Prenda-o no porão e deixe alguém vigiando. Convoque todos para o convés.
Enquanto a Aliança está pensando que estamos negociando, nós vamos preparar os
canhões.
Baenan
foi escoltado para fora da sala, e Chen teve que se controlar ao máximo para
não deixar notarem sua perturbação. Ele quase pulara para defender o anão, mas
mudou de ideia rapidamente. Queria saber mais sobre o que estava acontecendo.
Embora isso o incomodasse, teria que esperar a hora certa para agir.
* * *
Nita
encarava o capitão Heller em seus aposentos. Vários oficiais os flanqueavam com
as mãos atrás das costas.
—
Capitão — começou —, eu gostaria de oferecer uma explicação sobre a presença do
nosso navio...
—
Nita — interrompeu Heller —, não estou nem um pouco interessado nos motivos da
presença da Horda aqui. Eu só quero que vocês vão embora.
—
Essas águas são neutras — argumentou ela. — Nós temos tanto direito de estar
aqui quanto vocês.
—
Pode ser — prosseguiu Heller, imperturbável —, mas vocês representam uma
ameaça. Eu não considerarei que a ameaça foi extinta até que seu navio retorne
a Durotar, onde é o lugar dele.
— Eu
posso informar isso ao meu capitão, se você quiser — ofereceu Nita.
—
Não, eu acho que nós diremos isso a ele pessoalmente. Você ficará aqui como
garantia de que nossa mensagem vai ser entendida.
O
queixo de Nita caiu. — O quê? Eu virei sua prisioneira?
— Eu
cumpro o meu dever — disse o capitão Heller. — Peguem-na.
Quatro
oficiais a seguraram pelos braços.
—
Isso é um ultraje! — gritou Nita enquanto forcejava por se libertar. — Eu sou
uma druidesa do Círculo Cenariano! Eu trabalhei junto com o próprio Malfurion
Tempesfúria!
— Que
bom. Se eu o encontrar um dia, irei mencionar que conheço você.
* * *
Amarrado
desconfortavelmente no porão do Punho do Chefe Guerreiro, Baenan ouvia
ruídos distantes que pareciam a marcha de pés apressados e canhões pesados
sendo rolados para suas posições. O imundo capitão orc estava preparando um
ataque ao Elwynn, e ele não podia fazer nada para impedir. Não havia
nada pior que estar indefeso. O anão praguejou contra a Horda.
O
capitão Aldrek não deixara Baenan sozinho em sua prisão. Um elfo sangrento soberbo,
Talithar, o vigiava, decididamente entediado. Baenan o odiava com cada fibra do
seu ser.
— Seu
imprestável, capacho da Horda — rosnou. — O capitão Heller vai afundar essa
banheira e vocês vão virar comida de naga.
— E
você vai junto, se ele conseguir — respondeu Talithar. — É trágico, na verdade.
Para você sobreviver, seus amigos terão que perder.
— Se
eu morrer, morrerei feliz, sabendo que vocês vão comigo.
— Que
nobre da sua parte.
Baenan
cuspiu perto dos pés do elfo.
—
Vocês, elfos sangrentos, não saberiam o que é nobreza nem se tivessem a
definição da palavra tatuada na testa. Patéticos, viciados em magia, até
venderam o próprio povo!
Talithar
empalideceu, dando a Baenan a satisfação de saber que atingira um ponto
sensível. Sabia que não era inteligente provocar seu carcereiro, mas estava
zangado demais para se importar.
— É,
sim — insistiu —, eu conheci alguns elfos superiores. Eu sei o que vocês
fizeram com eles. Eu venho de Loch Modan; eu ouvi as histórias da guria
Andarilha...
Em
uma demonstração surpreendente de força física, Talithar atravessou o aposento
numa única passada e ergueu Baenan no ar, lançando o anão contra a parede. Ele
o manteve no alto e o encarou firme.
—
Nunca, nunca, fale o nome dela em minha presença. — A voz de Talithar
estava calma, mas nela havia um tom sutil ameaçador que arrepiou Baenan.
Quisera irritar o elfo, mas a intensidade da reação de Talithar o chocara.
Ainda assim, a Horda o capturara sem lhe dar a chance de lutar com armas, então
usaria palavras. Aquele mago era o símbolo de tudo o que desprezava.
—
Vejo que você conhece Vyrin Velozvento — disse Baenan, por puro despeito. — É
alguém especial? Bom, ela odeia vocês agora, e tudo o que vocês representam!
Talithar
arremessou Baenan no chão. O anão caiu em cima do ombro com força e preparou-se
para sentir a ira do mago, mas Talithar demonstrou um alto grau de controle e
não fez mais nada.
Baenan
conseguiu se endireitar, sentando-se. Seu ombro doía, mas tinha valido a pena
provocar o elfo sangrento. A cabeça de Talithar estava abaixada, e seus punhos
estavam apertados com tanta força que ficaram lívidos. Ele ergueu os olhos, e o
queixo de Baenan caiu.
O
rosto de Talithar estava banhado em lágrimas.
— A
esposa geralmente é especial para o marido. — A voz dele transmitia raiva,
humilhação e desespero. Ele enfiou a mão na parte da frente das vestes e
arrancou uma fina corrente de ouro do pescoço, atirando-a aos pés de Baenan. O
colar não tinha pingentes ou joias, apenas dois belos anéis, um de homem e um
de mulher, obra de elfos superiores.
—
Você acha que eu não sei o que eu sou? Nós, sin’dorei, tivemos que fazer uma
escolha: nossa integridade ou nosso bem-estar. Como se isso fosse alguma
escolha... Eu escolhi meu bem-estar. Minha esposa escolheu a integridade.
* * *
Chen
correu na direção do porão do Punho do Chefe Guerreiro o mais rápido que
pôde. Escapar do olhar atento do capitão Aldrek fora difícil, e, para piorar,
ainda tivera que procurar suas armas. Ele teve sorte — o barco tol'vir tinha
sido erguido e guardado junto com os botes salva-vidas, e a tripulação não
mexera em suas coisas. Até a pérola estava onde a deixara, dentro da mochila.
Com certeza era um dos benefícios da admiração de Aldrek.
A
entrada para o porão estava bloqueada. Chen respirou fundo e chutou a porta,
entrando de chofre e brandindo o cajado, que assobiou no ar sem atingir
ninguém. Chen parou, avaliando a situação. Baenan, o embaixador enânico, estava
sentado no chão, triste, com os membros atados. Igualmente entristecido,
Talithar, o vigia, sentava-se encostado à parede oposta.
Chen
baixou o cajado. De olho em Talithar, dirigiu-se a Baenan.
— Eu
vim ajudá-lo a escapar. Talithar, estou avisando...
O elfo
o surpreendeu com uma risada curta e amarga. — Eu não vou deter você. Apenas
saiam daqui.
A
atitude de Talithar intrigou Chen, mas ele não iria questioná-la. Ajoelhou-se
rapidamente ao lado de Baenan e usou uma faca para cortar as cordas. O anão
olhou-o com gratidão.
—
Você é um daqueles pandarens — disse ele, esfregando os pulsos. — Obrigado por
me salvar.
—
Você conhece meu povo? — perguntou Chen, cortando as cordas que prendiam as
pernas de Baenan.
— Não
muito. Mas nós salvamos uma garota pandarena da tempestade...
Chen
agarrou Baenan pelo colete e o ergueu.
— Li
Li?! — gritou o pandaren. — O nome dela é Li Li?
— É!
— confirmou Baenan, furibundo por ter sido erguido no ar duas vezes em meia
hora.
— O
nome dela é Li Li! Ela disse que foi jogada ao mar durante a tempestade.
— Ela
está viva — disse Chen, trêmulo, soltando Baenan. Suas patas tremiam. — Minha
sobrinha está viva.
—
Viva e bem, a bordo do Elwynn.
—
Então não temos um minuto a perder — declarou Chen. — Aldrek está se preparando
para a batalha. Vamos.
Chen
se virou para partir, mas o anão hesitou, abaixando-se para recolher um pequeno
objeto do chão. Para surpresa de Chen, Baenan ofereceu-o a Talithar.
—
Isso é seu — disse o anão, constrangido. — Pegue de volta. E... — Baenan fez
uma pausa —... sinto muito pelo que eu falei. Foi cruel da minha parte.
Chen
piscou. O que estava havendo ali?
— Não
— disse Talithar, suavemente. — Ele estendeu o braço e acariciou os dois anéis,
então retirou a mão. — Você estava certo. Vyrin me deixou por um motivo. Eu fiz
minha escolha. E teve suas consequências.
— É,
mas... — Baenan hesitou novamente. — Tem outra coisa. Ela costumava falar de
você. Bom, eu não sabia que era você, mas ela falava que tinha sido
casada. Ela nunca me falou por que abandonou o marido.
— Ela
não odeia você — prosseguiu. — Eu sei que ela está zangada, mas ela sente sua
falta.
A
expressão de Talithar mudou várias vezes ao ouvir Baenan falar e, por fim,
tornou-se uma máscara de melancolia. Mas não apanhou o colar.
—
Fique com ele. Mas me faça um favor.
Baenan
assentiu com cautela.
—
Quando você voltar a Loch Modan, leve os anéis para ela. Diga que eu tenho
saudades dela e que nunca deixei de amá-la.
—
Pode deixar — disse Baenan. — Eu prometo.
Talithar
se levantou.
—
Vocês só vão ter uma chance de escapar. Se vocês forem pegos, serão executados
imediatamente. Eu farei o que puder para distrair os outros.
—
Obrigado — disse Chen. — De verdade.
Talithar
sorriu, embora a tristeza não abandonasse seus olhos.
— Vão
logo.
* * *
Ao
pôr do sol, uma massa de nuvens veio do sul e o ar esfriou. Li Li tremia no
convés do Elwynn, esperando ansiosamente pelo resultado das negociações.
Lintharel tinha desaparecido, à maneira dos elfos noturnos. Perto de Li Li,
Trialin mastigava o dedo, sem dúvida preocupada com o irmão. A pandarena queria
muito que tudo desse certo. A situação podia ser resolvida pacificamente se os
dois lados estivessem dispostos a deixar o orgulho de lado. Algo tão simples,
mas tão difícil de conseguir.
O
capitão Heller e Nita enfim reapareceram no convés. Li Li ficou nas pontas dos
pés para ver melhor. Seu coração se confrangeu. As grandes mãos de Nita estavam
amarradas às costas. As expressões solenes dos guardas indicavam o fracasso das
negociações.
O
capitão Heller brandiu a espada.
—
Essa criatura — anunciou, indicando Nita com a lâmina — atacou meus oficiais e
eu assim que nos isolamos do resto da tripulação! Nós a imobilizamos, e agora
temos que lidar com essa situação!
—
Mentiroso! Eu não fiz nada disso! — Nita disse, zangada, o que lhe valeu um
pescotapa de um dos oficiais mais altos.
—
Silêncio, escória da Horda! — ordenou Heller.
Uma
série de explosões e clarões interrompeu o capitão. Disparou-se magia do convés
do navio da Horda, gerando runas brilhantes que iluminaram o céu do anoitecer.
Um
dos magos berrou:
—
Eles querem que nos rendamos, ou Baenan morre!
Heller
rosnou de fúria e praguejou.
— Nós
nunca nos renderemos! — gritou, como se pudessem ouvi-lo no Punho do Chefe
Guerreiro.
Trialin
cobriu a boca com as mãos, reprimindo um soluço de choro. Li Li passou o braço
pelos ombros da anã.
Heller
encarou Nita.
— Você.
— Ele fez um sinal para os homens, que empurraram a taurena para a frente.
— Se Baenan morrer, você também morre. Sangue por sangue. — O capitão ergueu a
espada.
Lintharel
pareceu surgir do nada e se intrometeu entre Nita e o capitão, abrindo os
braços.
— Não
— disse a elfa noturna.
O
rosto do capitão Heller se contorceu de raiva. Ele não abaixou a espada.
—
Lintharel? — disse Nita, suavemente. Li Li inclinou a cabeça para o lado. Como
a taurena sabia o nome de Lintharel?
—
Saia da frente, elfa noturna — ordenou o capitão Heller.
— Eu
lutei ao lado de Nita no Monte Hyjal — declarou Lintharel. — Conheço poucos
camaradas tão honrados ou corajosos quanto ela. Ela não fez nada de errado.
Deixe-a ir.
— O
povo dela aprisionou Baenan. — Heller rilhou os dentes.
— E
você a aprisionou. Se a Horda queria aprisionar Baenan desde o princípio, então
estão dispostos a sacrificá-la. Eles devem saber como você reagiria ao
ultimato. Ela é tão vítima quanto Baenan.
—
Afaste-se, elfa noturna! É uma ordem!
— Ou
você também queria aprisionar a mensageira da Horda — continuou Lintharel,
erguendo o queixo — e condenar Baenan à morte?
—
Cale a boca! — rugiu Heller. A ponta da espada estava a milímetros da garganta
da elfa. — Você deve sua lealdade à Aliança. Me desobedecer é traição.
—
Trair um amigo também é errado. A quem eu devo mais lealdade, capitão? A uma
aliança política ou a uma aliança pessoal?
A
questão perdurou no ar como uma nota soada por um gongo. O coração de Li Li
subiu-lhe à garganta. Toda a tripulação assistia, sem mover um músculo, sem
ousar respirar. Cada som parecia amplificado: as ondas batendo no casco de
madeira, o madeirame sacudindo numa rajada de vento. As nuvens estavam mais
espessas, tingindo o crepúsculo de um verde inquietante.
Os
pelos nos braços e na nuca de Li Li se arrepiaram. O próprio ar estava
carregado, chegando a um limite palpável de tensão.
E Li
Li compreendeu.
Lintharel,
postada entre Nita e os que lhe queriam fazer mal, não era tão vulnerável
quanto parecera. Estava apenas conseguindo mais tempo.
Lançando
um feitiço.
As
primeiras gotas de chuva caíram.
—
Lintharel — disse o capitão Heller, em uma voz letalmente calma —, esse é o
último aviso.
Li Li
agarrou o pulso de Trialin e deu um passo para trás, afastando-se da multidão.
A anã, notando a urgência nos gestos da garota, seguiu-a sem dizer uma palavra.
— Eu
não vou me afastar — disse Lintharel. Acima dela, o céu rugia.
—
Então que seja! Matem...
A
última parte da ordem de Heller se perdeu no rugido do vento que soprou
furiosamente atrás de Lintharel, empurrando todos que estavam no caminho. No
mesmo instante um raio partiu o céu, atingindo o mastro principal do Elwynn como
uma bomba, incendiando a vela em meio a uma chuva de faíscas. Fragmentos de
madeira do tamanho de adagas choveram sobre o convés. Li Li e Trialin pularam
atrás de um caixote. A noite estava iluminada com as chamas.
Lintharel
avançou para o espaço desimpedido à sua frente, com os braços abertos numa
posição não mais de sacrifício, mas de poder. Seus olhos brilhavam como
estrelas, brancos como o relâmpago que ela evocara. O vento resfolegava em
redor dela, agitando seus cabelos, puxando o kilt de couro, mas ela parecia não
sentir. Li Li observava, atônita. Litharel parecia uma deusa.
—
Liberte-a — ordenou ela a um marinheiro que se encolhia no convés. Ele fez que
sim, seus olhos arregalados de medo, e começou a rastejar na direção de Nita.
Outra
explosão sacudiu o navio inteiro. Todos cambalearam. Em algum lugar, as pessoas
gritavam pedindo água e curandeiros.
O Punho
do Chefe Guerreiro abrira fogo.
O
caos tomou conta da cena. A chuva caía das nuvens. Parte da tripulação atacou
Lintharel e Nita, enquanto outra parte foi defender o navio. Por cima do
barulho, o capitão Heller gritava ordens, tentando desesperadamente retomar o
controle da situação.
Uma
salva de tiros de canhão respondeu ao ataque do navio da Horda, e algumas das
balas acertaram o alvo. Li Li saltou do esconderijo, com os olhos fixos na
pequena multidão que lutava contra a elfa noturna e a taurena.
—
Aonde você vai? — perguntou Trialin.
— O
que eles fizeram com Nina foi errado — disse Li Li, num tom de desafio. — Eu
vou ajudar as duas.
Li Li
temera que a raiva de Trialin por causa do irmão faria com que ela tomasse o
lado do resto da tripulação, mas, para seu alívio, a anã assentiu.
—
Sim. É o cúmulo da covardia atacar um diplomata. — Ela puxou uma espada curta
do cinto e a entregou a Li Li. — Você vai precisar de uma arma.
—
Obrigada — respondeu a pandarena. Com um grito, as duas entraram no combate.
* * *
Chen
e Baenan correram pelo convés inferior, tentando chamar o mínimo de atenção
possível. Baenan enfiou a barba sob o colete e usou um capacete para esconder o
rosto, numa tentativa mambembe de se disfarçar. O plano de fuga improvisado
consistia em chegar ao barco tol'vir, lançá-lo ao mar e pular nele. Era
arriscado, mas não podiam ficar mais tempo ali.
O
navio tremia a cada impacto dos tiros dos canhões da Aliança. Chen encontrou a
escada que procurava, a mais próxima aos botes salva-vidas, e empurrou Baenan
para frente, subindo atrás dele.
— O
prisioneiro está fugindo! — gritou uma voz atrás deles. Chen reconheceu Karrig.
— Traidor imundo! Nós confiamos em você! Matem os dois!
Chen
arriscou um olhar para baixo. Contou seis pessoas, incluindo Karrig. O pandaren
praguejou. Lutar com eles levaria muito tempo.
—
Vão! — gritou outra voz. Talithar apareceu correndo e se arremessou ao pé da
escada. — Eu vou detê-los!
Os
fugitivos não hesitaram. Articulando silenciosamente palavras de gratidão, Chen
subiu o resto da escada, e então ele e Baenan correram.
— Você
é uma vergonha para a Horda, Talithar Velozvento! — rugiu Karrig. — Seu elfo
traidor imprestável!
— Eu
lutei pela Horda nos campos nevados da Coroa de Gelo — respondeu Talithar
calmamente. — E com muito orgulho. Mas a Horda não pode exigir toda a minha
lealdade.
—
Saia da nossa frente — grasnou Karrig — ou morra.
Talithar
ergueu as mãos, sobre as quais flutuavam bolas vermelhas de fogo. A luz
iluminava o conteúdo do paiol. As paredes eram ladeadas por barris cheios de
pólvora, munição extra para os canhões.
— Ah
— disse Talithar, com um sorriso tranquilo. — Eu já fiz minha escolha.
* * *
O
fogo se espalhara até a vela principal do Elwynn, e a chuva não chegava
para combater o incêndio. Alguns marinheiros formavam fila com baldes para
conter as chamas, mas seus esforços eram em vão. O navio fatalmente seria
engolido pelas chamas.
—
Nita — gritou Lintharel —, você tem que sair daqui! assuma uma outra forma e
fuja!
—
Você salvou minha vida — respondeu a taurena. — Eu não deixarei que você lute
sozinha.
— Ela
não está sozinha! — gritou Li Li, postando-se entre as duas druidesas.
— É,
nós viemos ajudar você! — disse Trialin, girando dois machados com perícia.
Lintharel atirava raios amarelos de magia; Li Li aparava os golpes dos
marinheiros. A anã, a elfa noturna e a pandarena afastaram os agressores,
abrindo um espaço desimpedido.
—
Agora é nossa chance! — gritou Li Li para Nita.
—
Estarei sempre em dívida com você! — respondeu Nita. Com um único salto, ela
rompeu a linha de marinheiros e se atirou ao mar. Momentos depois, um leão
marinho esguio desaparecia sob as ondas.
Li Li
respirava sofregamente. Ela apertava forte a espada, ficando ombro a ombro com
Lintharel e Trialin. A chuva batia em seu rosto e no seu pescoço. Agora que
Nita estava livre, eles também tinham que escapar.
Trialin
ergueu um machado, acenando para as companheiras.
— Um
— disse ela —, dois...
Uma
enorme explosão sacudiu o Elwynn da popa à proa. O navio estremeceu
violentamente, e o casco de madeira gemeu com a força do impacto. Todos foram
arremessados ao convés. Uma coluna de fumaça se ergueu no ar, e gotas de piche
escaldante caíram do céu, juntando-se às chamas que já queimavam as velas.
— Por
Elune e Ysera! — praguejou Lintharel. Li Li rolou para o lado, tentando ver o
que tinha acontecido. Fumaça escapava de um buraco no casco do Punho do
Chefe Guerreiro, onde ocorrera a explosão.
—
Baenan — sussurrou Trialin, perto de Li Li. — Oh, Luz, permita que ele viva…
Lintharel
ergueu-se antes dos outros e ofereceu a mão à pandarena, que, ao estender o
braço para aceitá-la, viu de relance um movimento súbito. O capitão Heller
esgueirara-se atrás de Lintharel com a espada desembainhada.
—
Cuidado! — gritou Li Li, mas o aviso chegou tarde demais. O corpo de Lintharel
dobrou para trás, seus olhos se arregalaram de choque e dor; o capitão a
trespassara de um só golpe.
Lintharel
soluçou, e sangue pingava-lhe dos cantos da boca. Seus joelhos bateram contra o
convés de madeira e ela caiu desajeitadamente, arquejando.
Heller
retirou a espada. A chuva forte já lavava o vermelho da lâmina.
— A
punição por traição é a morte — disse ele, calmamente, erguendo a arma para dar
o golpe de misericórdia.
Uma
sombra moveu-se ao seu lado, aumentando e ganhando forma, e uma lâmina curva e
entalhada apertou sua garganta.
Sua
face inchou de raiva.
—
Traidores!
—
Cale-se. — Os olhos de Atropa brilhavam ameaçadoramente, como os de Lintharel.
— A punição por ferir minha família também é a morte.
* * *
Forte
chuva esperava por Baenan e Chen quando finalmente chegaram ao convés
principal. Ninguém pareceu notá-los; todos estavam preocupados demais com a
batalha. Mais adiante, o Elwynn estava pegando fogo.
—
Temos que chegar lá — declarou Baenan. O pandaren e o anão correram para os
botes salva-vidas. Chen viu o barco tol'vir em meio aos outros.
Chen
foi arremessado para a frente. O rugido e calor de uma grande explosão o
engolfaram, arremessando-o junto com Baenan pelo convés, e eles aterrissaram
nos botes salva-vidas.
Chen
sabia que não podia perder a consciência Ele forcejou por ficar de joelhos,
sentindo cada junta doendo com o esforço. Perto dali, Baenan jazia com o rosto
no chão, tendo perdido o elmo com o impacto. Chen notou seu cajado rolando a
alguma distância e pulou para pegá-lo, ignorando a dor nas pernas. Pelo menos
nada parecia ter se quebrado em seu corpo.
—
Baenan! — Ele sacudiu o anão com força. — Agora é nossa chance!
—
Aquele elfo tolo dos diabos! — gemeu Baenan enquanto Chen o ajudava a
levantar-se. — Nós estávamos no paiol!
— Ele
não deve ter sobrevivido — disse Chen, surpreso ao sentir uma pontada de
tristeza por alguém que ele tinha ameaçado aquela manhã.
— É.
— Baenan olhou para Chen. — O navio inteiro vai afundar em questão de minutos.
Hora de partir.
Chamas
saíam do buraco aberto no casco do Punho do Chefe Guerreiro. O navio
estava inundando rápido e se inclinando, tornando mais fácil para Chen e Baenan
lançarem o barco tol'vir.
A
explosão causada por Talithar desintegrara qualquer possibilidade de ordem; o
único pensamento da tripulação era escapar com vida. Chen agarrou um remo e
remou na direção do Elwynn, e suas velas em chamas eram como um
sinalizador na tempestade.
Quando
se aproximaram do navio da Aliança, um vulto caiu do convés na água, quase
acertando o pequeno barco.
— O
capitão Heller! — exclamou Baenan.
Chen
olhou para o corpo, que flutuou alguns instantes antes de afundar sob as ondas.
—
Cortaram a garganta dele.
Eles
olharam para o convés de onde o corpo de Heller caíra. Chen prendeu frouxamente
o barco tol'vir ao Elwynn, preparando-se para uma posterior fuga rápida.
—
Está pronto? — perguntou a Baenan.
— Sim
— respondeu o anão, com um brilho nos olhos. — Vamos pegar nossas famílias. E
então fugimos.
Os
dois pularam juntos da amurada do barco tol'vir e partiram rapidamente para o Elwynn.
* * *
A
aurora dourada iluminava apenas os destroços que flutuavam nas ondas onde os
dois navios tinham afundado. Ninguém estava ali para ver. Os botes salva-vidas
tinham todos se dispersado.
Um
pequeno barco levava quatro passageiros, três dos quais se apinhavam na proa e
na popa para abrir espaço para o quarto, enrolado no meio da embarcação.
— Eu
fiz o que pude — disse Baenan tristemente, sacudindo a cabeça. A exaustão
dominava seu rosto. — Atingi meu limite. Eu sinto muito.
Trialin
pousou a mão no braço do irmão.
Atropa
aninhara a cabeça de Lintharel no colo, acariciando o cabelo da druidesa. Ela
inclinou-se e sua testa encontrou a de Lintharel, e lágrimas escorreram por seu
rosto.
Os
olhos da outra estavam fechados, mas ela sorria fracamente. Não falou, mas
apertou a mão de Atropa. Todos estavam em silêncio; sabiam que era apenas uma
questão de tempo.
Ninguém
notou o ponto escuro no horizonte, aumentando continuamente de tamanho ao se
aproximar, até que um grito agudo os assustou. Um grande pássaro marrom
desenhava círculos no céu; sua envergadura era quase do tamanho do bote. O
pássaro desceu e pousou na amurada. A criatura deu uma olhada rápida para os
lados e se transformou.
Era
Nita.
A
taurena ajoelhou-se ao lado de Lintharel, com cuidado para não desequilibrar o
bote salva-vidas. Ela passou os dedos no meio do torso da elfa noturna,
cobrindo a ferida. Um brilho esverdeado emanou de suas mãos, banhando Lintharel
em luz.
Lintharel
inalou violentamente, arquejando e tossindo, e tentou se sentar. Atropa e Nita
a seguraram gentilmente.
—
Calma, minha amiga — disse a taurena. — Você logo estará bem; não precisa ter
pressa.
Lintharel
apertou a mão de Nita.
—
Obrigada.
Atropa
segurou o grosso braço de Nita. Lágrimas ainda brilhavam nos olhos da elfa noturna.
— Eu
também fico-lhe muito grata.
— Era
o mínimo que eu podia fazer — respondeu Nita. — Eu nadei pelo oceano a noite
toda. Há muitos sobreviventes, tanto da Aliança quanto da Horda. Eu farei o que
puder para guiar todos para a terra.
—
Quando eu recuperar as forças, vou ajudar — disse Lintharel. Ela lançou um
sorriso reconfortante a Atropa. — Não vai demorar muito.
Antes
de partir, Nita também lançou feitiços menores em Baenan, Trialin e Atropa.
Baenan suspirou com alegria ao sentir a dor dos ferimentos sumindo.
—
Obrigado, Nita dos taurens. — Baenan esfregou o peito, notando como já não
sentia dor. Seus dedos tocaram um objeto sob a túnica.
—
Pelo martelo de Muradin! — exclamou ele, puxando o colar de Talithar, de onde
pendiam os dois anéis. — Eu esqueci que estava com isso.
— O
que é isso? — Trialin perguntou.
— Era
de Talithar — Baenan respondeu, suavemente. — Um elfo sangrento que estava no
navio da Horda — Ele salvou minha vida. Os anéis são dele e da esposa.
Nita
franziu o cenho.
— O
quê?
Baenan
virou-se para a irmã.
—
Trialin, você se lembra de Vyrin Velozvento, do Pavilhão dos Andarilhos?
— Em
Loch Modan? É claro que lembro.
—
Talithar era casado com ela.
—
Eu... não o vi nos botes — disse Nita. Baenan sacudiu a cabeça.
— Nem
vai. — Ele fechou a mão que segurava os anéis. — Foi ele quem causou a explosão
no Punho para me ajudar a escapar junto com o pandaren. Ele morreu.
— O
que vamos dizer a Vyrin? — perguntou Trialin.
— Que
seu marido morreu como um herói. — Baenan ergueu a cabeça, decidido. — Qual o
caminho mais rápido para chegar à terra? Eu tenho uma mensagem para entregar.
—
Siga para o norte e depois oeste — respondeu Nita. — Você não está longe de
Tanaris. Eu retornarei assim que for possível para ajudar, se você precisar.
Que a Mãe Terra esteja com vocês.
— E
que Eluna esteja com você — respondeu Atropa.
Nita
abriu os braços e se transformou num pássaro, alçando-se aos céus.
* * *
Mais
uma vez, o barco tol'vir balançava sob um céu coalhado de estrelas. Chen
apertava Li Li bem forte.
— Eu
pensei que tinha perdido você, Li Li. Eu pensei que você tinha morrido.
Li Li
enterrou o rosto no ombro do tio.
— Eu
também pensei que estava — respondeu, sorrindo fracamente. Chen deu uma risada
fraca, embora parecesse mais uma tossida.
A
bordo do Elwynn, tudo fora fogo e caos. Ele e Baenan tinham se separado
imediatamente. As memórias de Chen eram um borrão. Ele chamara o nome de Li Li,
freneticamente, repetidas vezes, e então, como mágica, ela aparecera, correndo
do fogo, sangue escorrendo por seu rosto. Eles tinham pulado do navio de volta
para o barco, nos últimos minutos. Enquanto Chen e Li Li remavam para longe,
viram os derradeiros momentos do Punho do chefe Guerreiro e do Elwynn,
cujos destroços em chamas iluminavam o oceano com um brilho alaranjado.
Os
pandarens dormiram mal pelo resto da noite. Todo o stress acumulado agora os
exauria, e eles perderam a consciência da passagem do tempo, alternando entre
sono e vigília.
* * *
Li Li
não sabia quantos dias tinham se passado. Dois? Três? Eles estavam sendo
seguidos por uma cobertura densa de nuvens, que tornava impossível distinguir a
manhã da noite. Apenas quando o céu escurecia por horas eles sabiam que outro
dia havia acabado. O tio Chen passava o tempo dormitando sob a vela. Ele fora
ferido na explosão do navio da Horda, e ainda levaria dias para se recuperar.
Li Li
descansou a cabeça contra o mastro. A vela pendia frouxa do madeirame, mas ela
não conseguia se forçar a recolhê-la. Tudo — absolutamente tudo — dera
completamente errado. Ela relembrava o instante em que fora arremessada ao mar,
ou quando a espada do capitão Heller atravessara o corpo de Lintharel, ou o
borrifo tépido do sangue dele em seu rosto quando Atropa cortou-lhe a garganta.
A pandarena tremeu. Memórias terríveis, coisas terríveis de se testemunhar.
Li Li
percebeu o som de papel amassando ao vento e, ao olhar para o alto, viu um
elegante albatroz de papel pairando sobre sua cabeça. Estendeu a mão e o
pássaro pousou, ficando imóvel instantaneamente, já sem magia para energizá-lo.
Curiosa, Li Li desdobrou o papel, alisando os vincos o melhor que podia. O
albatroz era composto de duas cartas, uma para ela, outra para o tio Chen. O
coração de Li Li bateu mais forte quando ela compreendeu que eram do seu pai.
Sem
querer se intrometer na privacidade do tio, Li Li dobrou novamente a carta dele
e a colocou na mochila. Mas leu a que lhe era endereçada:
Querida
Li Li, Eu nunca fui muito bom com palavras. Sempre que eu tento falar com você,
é como se as palavras não saíssem como eu quero, e nós nunca conseguimos nos
entender.
Você
puxou mais a sua mãe e a meu irmão do que a mim. Você tem o senso do
deslumbramento do meu irmão e a coragem de sua mãe. Isso era uma das coisas que
eu mais adorava nela, embora, não tendo essa qualidade, sempre me assustasse
muito ao vê-la enfrentar situações que eu teria evitado a todo custo. E também
me assusto em igual medida ao ver você tomar decisões parecidas. No passado, eu
deixei que esse medo se manifestasse como raiva, e agora sei que isso foi
errado.
Você
está destinada a tomar decisões diferentes na sua vida das que eu tomei na
minha. Já é mais do que hora de eu aceitar isso. Não importa o que aconteça,
você sempre será minha filha, e eu sempre terei orgulho de você.
Com
amor,
Seu
pai
Li Li
leu a carta duas, três vezes, gravando cada palavra na memória. Ela se lembrou
de quando se perguntara, em Geringontzan, se conseguiria ser verdadeira consigo
mesma e, ao mesmo tempo, boa o suficiente para o pai. Chen lhe dissera que sim,
e ele estava certo. Os olhos de Li Li ficaram rasos d'água, e ela piscou, sem
conseguir desimpedir a visão borrada. De repente, sentiu saudades do pai, com
uma intensidade que jamais pensara ser possível.
— Ah,
tio Chen — disse ela, triste —, por que a pérola me mandou nessa jornada
idiota? Vamos para casa. Eu só quero ir para casa.
Ainda
dormindo, Chen suspirou. Uma lágrima escorregou pela bochecha de Li Li, que já
estava úmida do ar enevoado. Ela fechou os olhos e apertou os joelhos perto do
peito.
Um
forte sopro preencheu seus ouvidos, mas ela não sentiu vento algum. Ao olhar
para o alto, Li Li viu uma névoa sem fim rodopiando, como um redemoinho.
Inclinou-se para a frente e acordou o tio.
— O
que está havendo? — perguntou ele, grogue.
— Eu
não sei. Eu nunca vi nada parecido.
A
névoa girava cada vez mais rápido, atordoando Li Li. E então, de súbito,
desintegrou-se, deixando para trás um céu azul brilhante e o orbe fulgurante do
sol.
E
diante dos dois, estendendo-se pelo horizonte como uma joia, estava uma terra
que nenhum dos dois reconheceu.
—
Olhe! — gritou Li Li, apontando. — Tio Chen... aquela é...?
— É!
— exclamou Chen. — Tem que ser!
Li Li
já estava de pé, içando a vela. A brisa tinha voltado a soprar, e eles logo
estariam ancorando. Chen correu para ajudá-la, e, juntos, eles conduziram o
barco até a costa.
* * *
Uma
praia adequada apareceu, e os dois pandarens arrastaram a embarcação para a
areia, sentindo as patas trêmulas de empolgação. Chen e Li Li correram para
explorar o cenário e logo encontraram uma estrada estreita, mas bastante utilizada.
Uma lanterna de aparência familiar balançava gentilmente na brisa, pendurada em
um poste entalhado, como que dando-lhes boas-vindas.
Chen
quase caiu de joelhos ao vê-la.
—
Isso foi feito por pandarens — disse ele, numa voz fraca. — Tenho certeza absoluta.
— Nós
chegamos. Nós conseguimos mesmo. Pandária.
Eles
subiram uma colina que dava para a praia e lá ficaram, observando o mar. O dia
era claro, sem uma nuvem à vista. O oceano brilhante estendia-se até onde a
vista alcançava. Chen passou o braço nos ombros da sobrinha e apertou-os
carinhosamente.
—
Isso quer dizer que o feitiço acabou? — perguntou Li Li. — A névoa se abriu
mesmo pra sempre?
—
Eu... não tenho certeza — respondeu Chen. — Mas acho que sim.
—
Então eles virão. Papai e Shisai e Vovó Mei, e todos os nossos amigos. Eles
todos virão.
Sem
ser evocada, uma imagem surgiu na mente de Chen. Dois navios em chamas lado a
lado, canhões disparando, marinheiros gritando, lâminas tilintando. Uma cena de
algumas noites antes, quando ele precipitara-se desesperado do Punho do
Chefe Guerreiro ao Elwynn, sem achar refúgio. A pata de Chen apertou
o ombro de Li Li com mais força.
— Não apenas nossos amigos, Li Li. Todo mundo.
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